Desde os primórdios da Igreja, Nossa Senhora auxiliava os fiéis, amparando-os em suas necessidades e esclarecendo suas dúvidas.
Valdis
Grinsteins
Não é fácil
para um católico dos dias de hoje compreender as dificuldades que enfrentaram
os bispos e sacerdotes no início da Igreja, na defesa da verdadeira doutrina.
Com efeito,
após 20 séculos de História, a Igreja Católica tem proclamado dogmas
magníficos, estudado e resolvido inúmeros problemas teológicos, refutado
heresias, esclarecido dúvidas que pareciam insuperáveis, tudo sob a inspiração
do Espírito Santo. Da mesma forma que trabalhamos atualmente com tranqüilidade
em terras que nossos antepassados tiveram enorme dificuldade para desmatar. É o
valor inestimável da Tradição.
Coisas que
hoje um menino de seis anos aprende sem dificuldade no catecismo preocuparam
outrora os Padres da Igreja. Época em que se definiam as naturezas humana e
divina de Nosso Senhor, existentes em uma só Pessoa, definia-se o verdadeiro
alcance dos sacramentos, o mundo angélico ou o inferno etc.
Ora, foi
justamente para tranqüilizar a reta consciência de um bispo santo, dos
primeiros séculos do cristianismo, que se deu a aparição narrada a seguir.
Santo
biógrafo de outro santo
Em muitas
ocasiões, na História da Igreja, surgiram santos que relatam os fatos
maravilhosos da vida de outros santos. Assim, São Gregório Magno narrando a
vida de São Bento; o Bem-aventurado Raimundo de Cápua escrevendo a de Santa
Catarina de Siena; São João Bosco descrevendo a de São Domingos Sávio etc.
São Gregório
de Nissa conta a vida de São Gregório, o Taumaturgo (isto é, o que opera
milagres). O primeiro viveu no século IV, e seu biografado no século III — um
século de diferença.
São
Gregório, o Taumaturgo, tinha sido nomeado Bispo de Neocesaréia, cidade
localizada na atual Turquia. Mas, segundo a biografia escrita por São Gregório
de Nissa, “ele não queria iniciar a pregação antes que a verdade lhe
tivesse sido revelada por alguma aparição. Havia aqueles que falsificavam o
ensino piedoso com argumentos rebuscados, e assim tornavam a verdade duvidosa.
Ora, durante a noite, quando ele repousava em santos pensamentos, um venerável
ancião lhe apareceu, revestido de ornamentos sacerdotais. Surpreso, Gregório
levanta-se e pergunta-lhe quem ele é e por que lhe apareceu. O ancião
tranqüiliza seus temores com uma doce voz. Anuncia que vem, por ordem de Deus,
esclarecer suas dificuldades [teológicas] e revelar-lhe a verdade da Fé.
Gregório cobra coragem com estas palavras e olha o ancião com uma alegria
mesclada de estupefação. A aparição estende a mão e o convida a olhar para um
lado. Então Gregório percebe outra aparição: uma mulher, com um aspecto
superior a tudo quanto é humano. De novo a emoção o domina, abaixa sua fronte e
não ousa fixar esta luz tão forte para seus olhos [...]. Mas ele escutava as
duas pessoas que apareceram conversando sobre os assuntos teológicos que o
preocupavam. Assim, ele não apenas aprendeu a doutrina da Fé, mas descobriu
quem eram os personagens da visão pelos nomes que eles se davam um ao outro.
Com efeito, conta ele que ouviu a mulher convidar São João Evangelista a
manifestar ao jovem bispo os mistérios da verdadeira Fé. Por sua vez, este
respondia que o faria com gosto, para agradar a Mãe do Senhor e seguir seus
desejos. Então [aquele apóstolo] pronunciou um discurso sóbrio, e
desfez-se a aparição.
“Imediatamente
Gregório colocou no papel esta doutrina celeste, e foi de acordo com ela que
ele pregou logo mais em sua igreja. Ele legou-a a seus sucessores como uma
herança vinda de Deus, e o povo, ensinado segundo tal doutrina, tem permanecido
sempre puro de toda maldade herética. Eis aqui as palavras reveladas do Símbolo
[dos Apóstolos, ou seja o Credo]: Eu creio num só Deus [...]. Se
alguém quer se assegurar da verdade deste símbolo, que consulte a Igreja na
qual o Taumaturgo pregava esta doutrina. Em seus arquivos, conserva-se ainda
hoje o manuscrito feito por esta bem-aventurada mão: verdadeiras tábuas
escritas por Deus e comparáveis, pela grandeza de sua graça, às tábuas da Lei,
nas quais fora antigamente gravada a lei divina”.*
Uma situação
especial
Constatamos
neste texto vários fatos que merecem um comentário. Chama a atenção que, nessa
visão, estando presente Nossa Senhora, não tenha sido Ela quem explicou o
problema teológico, mas tenha convidado São João Evangelista (Bispo da Igreja)
para falar. Cabe aos Bispos ensinar a doutrina, pois a eles confiou Nosso
Senhor essa missão. E Nossa Senhora, sempre respeitosa das hierarquias — mesmo
tendo muito mais virtude e conhecimento —, não quis violar esta regra dada por
Deus. Admirável tema de meditação sobre a verdadeira humildade! Como dói saber
que hoje em dia há Bispos que se desviaram dessa sublime missão, para ensinar
as doutrinas da moda, como a teologia da libertação e outras do gênero!
Outro
aspecto curioso da visão: São Gregório, o Taumaturgo, não conseguiu fixar seus
olhos em Nossa Senhora. Aliás, é um fato que se constata em numerosas aparições
de Maria Santíssima: os videntes sentem dificuldade em fixar detidamente seu
rosto, tão luminoso é ele. Vários videntes, ao serem inquiridos, conseguem
descrevê-lo só genericamente, pois não puderam fixar seus traços.
Chama a
atenção ainda o modo maternal como Nossa Senhora tratou o jovem Bispo. Este não
quis, de forma alguma, ensinar algo contrário à verdade. Mas, naquela época,
era muito difícil consultar outros bispos fiéis para elucidar as verdades da
Fé, em meio às perseguições pagãs e com distâncias enormes a percorrer.
Entretanto,
o Santo Bispo não podia deixar seus súditos privados de sólida formação
doutrinária. Podemos imaginar, então, as angústias causadas por tal situação.
Para avaliarmos o problema, lembremos que somente 50 anos após a morte de São
Gregório de Nissa, no Concílio de Nicéia foi elaborado um Credo oficial,
com a finalidade de estabelecer a autêntica e única verdade de Fé.
*
* *
Como vimos,
Nossa Senhora resolveu o angustiante problema de um modo muito especial e
materno. Assim como Ela o solucionou e protegeu a Fé incipiente dos primeiros
cristãos, peçamos-Lhe que nos preserve dos erros contemporâneos, em meio à
terrível confusão dos dias atuais.
__________________
Nota:
(*) Le
ciel sur la Terre, les apparitions de la Vierge au Moyen âge, Sylvie
Barnay, Ed. les Editions du Cerf, Milano, 1999, pg. 16-18.
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