Agostinho
de Hipona (em latim: Aurelius Augustinus Hipponensis), conhecido universalmente como Santo Agostinho, foi um dos
mais importantes teólogos e filósofos dos primeiros anos do cristianismo cujas obras foram muito
influentes no desenvolvimento do cristianismo e filosofia ocidental. Ele era o bispo de Hipona,
uma cidade na província romana da África. Escrevendo na era
patrística, ele é amplamente considerado como sendo o mais
importante dos Padres da
Igreja no ocidente.
Suas obras-primas são "A Cidade de
Deus" e "Confissões", ambas ainda muito
estudadas atualmente.
De
acordo com Jerônimo,
seu contemporâneo, Agostinho "re-estabeleceu
a antiga fé". Em seus primeiros anos, Agostinho foi muito influenciado
pelo maniqueísmo e, logo depois, pelo neoplatonismo de Plotino.
Depois de se converter ao cristianismo e aceitar o batismo (387), Agostinho desenvolveu uma
abordagem original à filosofia e teologia, acomodando uma variedade de métodos
e perspectivas de uma maneira até então desconhecida. Acreditando que a graça de Cristo era indispensável para a liberdade
humana, ajudou a formular a doutrina do pecado
original e deu contribuições
seminais ao desenvolvimento da teoria da guerra justa.
Quando o Império Romano do Ocidente começou a ruir, Agostinho desenvolveu
o conceito de "Igreja Católica" como uma "Cidade de
Deus" espiritual (na obra homônima) distinta da cidade terrena
e material de mesmo nome.
"A Cidade de Deus" estava também intimamente ligada ao segmento da
Igreja que aderiu ao conceito da Trindade como
postulado pelo Concílio de Niceia e pelo Concílio de Constantinopla.
Na
Igreja Católica e na Comunhão Anglicana, Agostinho é venerado como um santo, um proeminente Doutor da
Igreja e o patrono dos agostinianos.
Sua festa é celebrada no dia de sua morte, 28 de agosto. Muitos protestantes,
especialmente oscalvinistas, consideram Agostinho como um dos
"pais teológicos" da Reforma Protestante por causa de suas doutrinas sobre a salvação e graça divina.
No cristianismo oriental, muitas de suas
doutrinas não são aceitas, principalmente a da cláusula Filioque, mas também as que tratam do pecado
original, da doutrina da graça e da predestinação. Ainda assim, apesar destes
chamados "erros", é considerado também um santo e sua festa é
celebrada no dia 15 de junho. Porém, ele é chamado de "Abençoado
Agostinho" e não de "Santo Agostinho" entre os ortodoxos
justamente por causa destas controvérsias.
Infância e educação
Agostinho nasceu em
354 no município de Tagaste na África romana. Sua mãe, Mônica,
era uma cristã devota e seu pai, Patrício, um pagão convertido
ao cristianismo no leito de morte. Estudiosos acreditam que entre seus
ancestrais estavam berberes, latinos e fenícios,
mas ele próprio considerava-se um púnico.
Seu nomen, Aurélio, sugere
que os ancestrais de seu pai eram libertos da gens Aurélia que receberam a cidadania
romana depois do Édito de Caracala em 212 e, portanto, a família já era
romana do ponto de vista legal por pelo menos um século quando Agostinho nasceu.
Assume-se que Mônica era berbere por causa do nome, mas, como a família era
formada por honestitores, uma classe mais elevada de
cidadãos chamados de "homens honrados", é muito provável que
Agostinho tenha sido educado em latim. Aos onze anos, ele
foi enviado para uma escola em Madauro (moderna M'Daourouch), uma pequena
cidade númida a apenas 30 quilômetros ao sul de Tagaste, e ali aprendeu literatura
latina e as práticas e crenças pagãs. Foi ali também,
por volta de 369 ou 370, que leu o diálogo perdido de Cícero,
"Hortêncio", que o
próprio Agostinho credita como responsável por despertar seu interesse em
filosofia.
Aos dezessete, graças
à generosidade de um amigo, Romaniano, Agostinho mudou-se para Cartago para estudarretórica.
Embora tenha sido criado um cristão, passou a seguir ali o maniqueísmo,
para desespero de sua mãe. Como todos os jovens de sua época e classe social,
Agostinho adotou um estilo de vida hedonista por um tempo, associando-se a outros
jovens que se vangloriavam de suas aventuras sexuais com mulheres e homens. Os
mais velhos estimulavam os mais inexperientes a contar ou inventar histórias
sobre aventuras para que fossem aceitos. É deste período uma famosa oração de
Agostinho, "Senhor,
conceda-me castidade e continência,
mas não ainda".
Dois anos depois,
Agostinho iniciou um romance com uma jovem cartaginense, mas, provavelmente
para manter-se em condições de realizar o desejo de sua mãe de casar com alguém
de sua própria classe social, o casal se manteve em concubinato por mais de treze anos, período no
qual tiveram um filho, Adeodato, um rapaz considerado extremamente inteligente
por seus contemporâneos.
Professor de retórica
Entre 373 e 374,
Agostinho ensinou gramática em Tagaste. No ano seguinte, mudou-se
para Cartago para dirigir uma escola de retórica e lá permaneceu pelos nove
anos seguintes. Perturbado pelo comportamento indomável de seus estudantes,
fundou, em 383, uma escola em Roma, onde acreditava
estarem os maiores e mais brilhantes retóricos. Porém, se desapontou com a apatia com que foi recebido pelas escolas
romanas. Para piorar, seus estudantes, quando chegava o momento de pagar pelas
aulas, simplesmente fugiam. Seus amigos maniqueístas então o apresentaram ao prefeito urbano, Símaco, que tentava
conseguir um professor de retórica para servir na corte imperial em Mediolano (Milão).
Agostinho conseguiu a posição e viajou para o norte para assumi-la no final de
384. Aos trinta anos de idade, já havia conquistado a mais visível de todas as
posições acadêmicas do mundo latino, justamente numa época que tais postos eram
portas de entrada para carreiras políticas. Neste período, embora demonstrasse
algum fervor pelo maniqueísmo, jamais tornou-se um iniciado (um
"eleito"), permanecendo um "ouvidor", o nível mais baixo da
hierarquia da seita.
Ainda em Cartago, já
havia começado a se distanciar do maniqueísmo, em parte por causa de um
frustrante encontro com o bispo Fausto de
Milevi, um importante expoente da teologia maniqueísta. Em Roma,
afastou-se completamente do maniqueísmo e abraçou o ceticismo do movimento da Nova Academia.
Em Mediolano, sua mãe retomou a pressão para que ele se re-convertesse ao
cristianismo. Os próprios estudos de Agostinho sobre o neoplatonismo também passaram a atraí-lo, uma
direção que foi depois estimulada por seu amigo Simpliciano.
Mas foi o bispo de
Mediolano, Ambrósio,
quem mais influenciou Agostinho. Como ele, Ambrósio era um mestre na retórica,
mas era mais velho e mais experiente.
Em Mediolano,
Agostinho permitiu que sua mãe lhe arranjasse um casamento e foi por conta
disso que ele abandonou sua concubina.
Acredita-se que Agostinho realmente amasse sua parceira de mais de treze anos e
o rompimento foi bastante difícil para ele. Confirmando esta tese, há
evidências de que Agostinho tenha considerado seu relacionamento como
equivalente ao matrimônio,
apesar de não ser válido perante a lei. Em suas "Confissões", ele
admitiu que a experiência da separação acabou amortecendo gradualmente sua
sensibilidade à dor. Agostinho teve que esperar por mais dois anos até que sua
noiva atingisse a idade para casar e logo em seguida tomou uma nova concubina.
Ele finalmente terminou o noivado com sua prometida (que tinha onze anos), mas
não retomou o relacionamento com nenhuma de suas antigas concubinas.
Alípio de Tagaste foi o responsável por afastar
Agostinho do casamento ao ensiná-lhe que jamais poderia viver no amor a
sabedoria se casasse. Muitos anos depois, Agostinho relembrou seus dias em Cassicíaco (Cassago
Brianza), uma vila nos arredores de Mediolano onde viveu
com seus seguidores, e descreveu-os como "Christianae
vitae otium" – a vida
cristã de ócio.
Conversão e sacerdócio
No
verão de 386, depois de ouvir a história da vida de Santo Antão do Deserto por Placiano e seus amigos, Agostinho
se converteu. Como ele próprio contou depois, a conversão foi incitada por uma
voz infantil que ele ouviu pedindo-lhe para "tomar
e ler" (em latim: tolle, lege),
o que ele entendeu ser um comando divino para abrir a Bíblia,
abri-la e ler a primeira coisa que encontrasse. Agostinho abriu na Epístola aos Romanos num trecho conhecido como
"transformação dos crentes", os capítulos 12 ao 15, no qual Paulo delineia como o Evangelho
transforma os crentes e seu comportamento. O trecho exato, segundo ele, foi:
|
Andemos
honestamente como de dia, não em orgias e bebedices, não em impudicícias e
dissoluções, não em contendas e ciúmes; mas revesti-vos do Senhor Jesus
Cristo, e não vos preocupeis com a carne para não excitardes as suas
cobiças.» (Romanos 13:13-14)
|
|
|
Ambrósio batizou Agostinho e seu filho Adeodato
na Vigília da Páscoa de 387 em Mediolano. Um ano depois, em
388, Agostinho completou sua apologia "Sobre
a Santidade da Igreja Católica". No mesmo ano, a família decidiu voltar
para a África, mas Mônica morreu em Óstia,
perto de Roma, quando se preparava para embarcar. Quando chegaram, passaram a
viver aristocraticamente com os rendimentos auferidos pelas extensivas
propriedades da família na região. Logo depois, Adeotato também faleceu e
Agostinho, entristecido, vendeu todo seu patrimônio e deu o dinheiro aos
pobres, mantendo apenas a casa da família, que ele converteu numa fundação monástica para si e alguns amigos.
Em 391, foi ordenado sacerdote em Hipona e rapidamente tornou-se um
pregador muito famoso - há mais de 350 sermões de Agostinho que se acredita
serem autênticos - e um ardoroso adversário do maniqueísmo, sua religião da
juventude. Em 395, foi nomeado bispo
coadjutor de Hipona e,
logo depois, assumiu o trono episcopal, motivo
pelo qual é conhecido como "Agostinho de Hipona", uma posição que
manteve até sua morte em 430. Suas "Confissões" foram escritas entre
397 e 398, ao passo que "A Cidade de Deus" foi escrita para consolar
os cristãos logo depois do traumático saque de Roma pelos visigodos em 410.
Neste período,
Agostinho trabalhou incansavelmente para converter o povo de Hipona. Apesar de
ter deixado o mosteiro, continuou a levar uma vida asceta na residência episcopal. Para seus
companheiros, deixou uma regula que
fez com que, muito depois, fosse considerado como o "padroeiro do clero regular".
Grande parte do que
sabemos sobre os anos finais de Agostinho foi relatado por seu amigo Possídio, o bispo de Calama (moderna Guelma,
na Argélia), em sua obra "Sancti
Augustini Vita". Possídio admirava Agostinho como uma pessoa intelectualmente
poderosa e de retórica arrebatadora que aproveitava todas as oportunidades para
defender o cristianismo contra seus detratores. Ele preservou também os traços
pessoais de Agostinho em detalhes, revelando um indivíduo que comia pouco,
trabalhava muito, desprezava fofocas, evitava as tentações da carne e era muito
prudente na administração financeira de sua sé.
Morte e veneração
Na primavera de 430,
os vândalos,
uma tribo germânica convertida ao arianismo,
invadiram a África romana e cercaram Hipona. Agostinho, porém, já estava
irremediavelmente doente. De acordo com Possídio, um dos poucos milagres
atribuídos a ele, a cura de um doente, deu-se durante o cerco. Ainda segundo
ele, Agostinho passou seus últimos dias em oração e penitência,
com salmos pendurados nas paredes de seu quarto
para que pudesse lê-los. Antes de morrer, ordenou que a biblioteca da igreja de
Hipona e todos os seus livros fossem cuidadosamente preservados; faleceu
finalmente em 28 de agosto de 430. Logo em seguida, os vândalos desistiram do
cerco, mas retornaram não muito depois e incendiaram a cidade, destruindo tudo
menos a catedral e a biblioteca de Agostinho.
Agostinho foi canonizado por aclamação popular e foi depois
reconhecido como Doutor da
Igreja em 1298 pelo papa Bonifácio VIII.
Relíquias
De acordo com o
"Verdadeiro Martirológio" de Beda, o corpo de Agostinho
foi depois trasladado para Cagliari, Sardenha,
pelos bispos católicos expulsos do norte da África por Hunerico.
Por volta de 720, elas foram novamente trasladadas por Pedro, bispo de
Pavia e tio do rei lombardo Liutprando, para a igreja
de San Pietro in Ciel d'Oro, em Pavia, para protegê-las
contra os frequentes raides dos sarracenos.
Em janeiro de 1327, João XII emitiu a bula papal Veneranda Santorum Patrumna
qual nomeou os agostinianos como guardiões do túmulo de Agostinho,
que foi reformado em 1362 com ricos baixo-relevos com cenas de sua vida.
Em outubro de 1695,
trabalhadores em San Pietro in Ciel d'Oro descobriram um sarcófago de mármore com alguns ossos humanos,
inclusive parte de um crânio e uma disputa irrompeu entre os eremitas da Ordem de Santo Agostinho e os clérigos dos Cânones
Regulares de Santo Agostinho sobre
sua autenticidade, estes afirmando que eram autênticos e aqueles, que não. No
fim, Bento XIII (r. 1724–1730) ordenou ao bispo de Pavia, monsenhor Pertusati, que decidisse e ele
declarou que, na sua opinião, eram verdadeiros.
Os agostinianos foram
expulsos de Pavia em 1700 e se refugiaram em Milão levando consigo as relíquias de
Agostinho e seu sarcófago desmontado, abrigando tudo na catedral da cidade. San
Pietro ficou arruinada e só foi reformada na década de 1870 depois de uma
campanha liderada por Agostino Gaetano Riboldi.
As relíquias de Santo Agostinho e seu sarcófago foram reinstalados ali em 1896,
quando a igreja foi reconsagrada.
Pensamento
Antropologia cristã
Agostinho foi um dos
primeiros autores cristãos latinos a professar uma visão clara sobre a antropologia teológica ao defender o ser humano como a união
perfeita de duas substâncias, o corpo e a alma. Em seu tratado tardio
"Sobre os Cuidados com os Mortos" (420),
por exemplo, defendeu o respeito ao corpo dos mortos afirmando que ele era
parte da natureza humana. Uma das metáforas preferidas de Agostinho para ilustrar
esta unidade é o matrimônio: caro tua, coniunx tua ("Seu corpo é sua esposa").
Ele acreditava que os dois elementos estavam inicialmente em perfeita harmonia,
mas, depois da queda da
humanidade, passaram a combater entre si de forma dramática.
Afirmava também que os dois elementos são parte de duas categorias bem
distintas. Enquanto o corpo é um objeto tri-dimensional composto de quatro
elementos, a alma não tem dimensões espaciais e é composta por um tipo de substância
adequada para governar o corpo e que é parte da razão. Agostinho não estava
preocupado, como Platão e Descartes,
em explicar em detalhes a metafísica envolvida nesta união. Bastava para
ele admitir que os homens eram formados por duas substâncias metafisicamente
distintas, sendo a alma superior ao corpo. Esta última afirmação baseada em sua
própria classificação hierárquica para todas as coisas, classificando em ordem
de importância as coisas que somente existem, as que existem e vivem e,
finalmente, as que existem, vivem e tem inteligência ou dispõem da razão.
Assim como outros Padres da
Igreja, como Atenágoras por exemplo, Agostinho "condenou vigorosamente a
prática do aborto
induzido" e
considerava-o um crime em qualquer estágio da gravidez.
Astrologia
Os contemporâneos de
Agostinho acreditavam que a astrologia era uma ciência exata e genuína; seus praticantes eram
considerados como verdadeiros eruditos e chamados mathemathici. A
disciplina tinha um importante papel na doutrina maniqueísta e Agostinho se sentiu atraído por este
tipo de literatura quando jovem, fascinado principalmente pelos que alegavam
poder prever o futuro. Posteriormente, já como bispo, costumava
aconselhar seus fieis a evitarem astrólogos que combinassem ciências com horóscopos
(é frequente que o termo "mathematici" nas obras de Agostinho seja traduzido
como "matemático"). De acordo com ele, estes não eram verdadeiros
estudantes de Hiparco ou Erastótenes e sim "vigaristas comuns".
Criação
Em "Cidade de
Deus", Agostinho rejeitou tanto a imortalidade da raça humana proposta
pelos pagãos quanto
as ideias sobre "eras" comuns na sua época (como as pregadas por
alguns gregos e pelos egípcios)
e que diferiam dos escritos sagrados da Igreja. Em "A Interpretação
Literal do Gênesis", Agostinho defende a posição que tudo no universo foi
criado simultaneamente por Deus e não nos sete dias do calendário como requer
uma interpretação literal do relato no Gênesis. Ele argumenta que a estrutura de seis
dias para a criação apresentada ali representa um arcabouço lógico e não uma
passagem de tempo física - o relato teria, portanto, um significado espiritual
e não físico, mas, nem por isso, menos literal. Uma razão para esta
interpretação é a passagem em Siraque 18:1 (conhecido também como Eclesiástico), "creavit omni simul" ("Criou todas as coisas
simultaneamente"), que Agostinho assumiu como prova de que os dias citados
em Gênesis 1 não devem ser entendidos fisicamente[64] . Agostinho também não acreditava que
o pecado
original tenha
provocado mudanças estruturais no universo e chegou a sugerir que os corpos de Adão e Eva já teriam sido criados mortais antes
da "queda". Finalmente, Agostinho reconhece que a interpretação da
história da criação é difícil e lembra que devemos estar dispostos a mudar
nossas ideias conforme novas informações forem aparecendo.
Eclesiologia
"Triunfo
da Igreja". Agostinho defendeu o amilenialismo e acreditava que o milênio citado em Apocalipse 20:1-10 era simbólico e não uma descrição
literal. Além disso, defendia que ele já havia começado e era idêntico ao período da
Igreja e o reino
espiritual de Jesus.
Agostinho
desenvolveu sua doutrina sobre a Igreja principalmente como reação à controvérsia donatista. Segundo ele, há
apenas uma Igreja, mas dentro dela há duas realidades, o aspecto visível (a hierarquia institucional, os sacramentos e os fieis) e o invisível (as almas
dos que estão na Igreja). O primeiro é o corpo institucional estabelecido por
Cristo na terra que proclama a salvação e administra os sacramentos enquanto o
segundo é o corpo invisível dos eleitos, composto pelos fieis genuínos de todas
as épocas, conhecido apenas por Deus. A Igreja, que é visível e social, é
composta por "trigo" e "joio", ou seja, pelos bons e pelos
maus (vide a parábola do Trigo e do Joio), até o fim
dos tempos. Este conceito era diretamente contrário à suposição donatista de
que apenas os que vivem num estado de graça eram parte da igreja
"verdeira" ou "pura" na terra e que sacerdotes e bispos que
não estivessem em estado de graça não tem autoridade ou habilidade para
conferir os sacramentos. A eclesiologia de Agostinho foi desenvolvida
principalmente na "Cidade de Deus". Na obra, ele concebe a Igreja
como uma cidade ou um reino celestial governado pelo amor que triunfará no
final sobre todos os impérios terrenos que são auto-indulgentes e governados
pelo orgulho. Agostinho seguiu Cipriano ao
defender que bispos e padres da Igreja são sucessores dos Apóstolos e que sua autoridade é conferida por
Deus.
Escatologia
Agostinho
originalmente acreditava no premilenialismo,
ou seja, que Cristo iria literalmente fundar um reino de 1 000 anos na
terra antes da ressurreição geral, mas rejeitou depois a
crença afirmando que ela era "carnal". Ele foi o primeiro teólogo a
expor uma doutrina sistemática do amilenialismo,
embora alguns teólogos e historiadores cristãos acreditem que sua visão era
mais próxima dos modernos pós-milenialistas. A Igreja medieval construiu
seu sistema escatológico sobre
o amilenialismo de Agostinho, no qual Cristo governa a terra espiritualmente
através do triunfo da Igreja[68] . Durante a Reforma, teólogos como João Calvino aceitaram a doutrina.
Agostinho ensinou que
o destino eterno da alma é determinado na morte e que o fogo do purgatório sobre os que estão no estado intermediário purifica apenas os que morreram em comunhão com a Igreja, uma tese que deu origem
a diversas outras teologias posteriormente.
Pontos de vista epistemológicos
Preocupações epistemológicas permearam o desenvolvimento
intelectual de Agostinho. Seus primeiros diálogos ("Contra
academicos", 386; "De
Magistro",389), ambos escritos logo depois de sua conversão, refletem
o uso que ele fazia de argumentos céticos e demonstram o desenvolvimento de sua
doutrina da iluminação interior.
Agostinho também propôs o problema das outras mentes em diversas obras - mais famosamente
talvez em "Sobre a Trindade"
(VIII.6.9) - e desenvolveu o que viria a ser uma solução padrão: o argumento a
partir da analogia a outras mentes. Ao contrário de Platão e outros filósofos
anteriores, Agostinho reconheceu a centralidade do testemunho para o conhecimento humano e
argumentou que o que os outros nos contam pode nos trazer novos conhecimentos
mesmo se não tivermos razões independentes para acreditar em seus relatos
testemunhais.
Guerra justa
Agostinho afirmou que
os cristãos deveriam ser pacifistas como postura pessoal e filosófica.
Apesar disso, afirmou que passividade perante uma grave injustiça que só
pudesse ser detida com violência seria um pecado. A auto-defesa ou a defesa de
outros pode ser uma necessidade, especialmente quando comandada por uma
autoridade legítima. Apesar de não detalhar as condições necessárias para a
guerra, Agostinho cunhou o termo "guerra justa" em sua obra
"Cidade de Deus". Essencialmente, a busca pela paz deve incluir a
opção de lutar para preservá-la no longo prazo. Uma guerra justa não pode ser preemptiva;
deve ser defensiva e objetivar a restauração da paz.
Tomás de Aquino, séculos depois, baseou-se na
autoridade dos argumentos de Agostinho em sua tentativa de definir as condições
nas quais uma guerra poderia ser considerada justa.
Trindade
Agostinho tentou e
esforçou-se exaustivamente por compreender e desvendar o mistério da Santíssima Trindade e uma de suas principais obras, "Sobre a Trindade", é
o resultado deste esforço. Após muito tempo de reflexão, esforço e trabalho,
chegou à conclusão que nós, devido à nossa mente extremamente limitada, nunca
poderíamos compreender e assimilar plenamente a dimensão (infinita) de Deus somente com as nossas
próprias forças e o nosso raciocínio. Concluiu que a compreensão plena e
definitiva deste grande enigma só é possível quando, na vida eterna,
nos encontrarmos no Paraíso com
o Pai,
o Filho e o Espírito
Santo.
Mariologia
Embora Agostinho não
tenha desenvolvido uma mariologia independente, suas afirmações sobre
Maria ultrapassam em número e em quantidade as dos autores anteriores. Mesmo
antes do Concílio de Éfeso, ele defendeu a sempre Virgem Maria como a "Mãe de Deus"
que, por causa de sua virgindade, é cheia de graça. Ele também
afirmou que a Virgem Maria "concebeu
virgem, deu à luz virgem e permaneceu virgem para sempre".
Conhecimento natural e interpretação
bíblica
Agostinho defende que
o texto bíblico não deve ser interpretado literalmente e sim metaforicamente se
ele contradisser o que conhecemos pela ciência ou pela razão (conferida por
Deus em sua doutrina). Enquanto cada passagem das Escrituras tem um sentido literal, isto não quer
dizer que o texto escritural é sempre mera história; por vezes as passagens são
metáforas.
Pecado original
Agostinho acreditava
que o pecado original de Adão e Eva foi ou um ato de estupidez ("insipientia")
seguido de orgulho e desobediência a Deus ou desde o o princípio um ato de
orgulho. O primeiro casal desobedeceu a Deus, que os havia comandado que não
comessem da Árvore do conhecimento do bem e do
mal (Gênesis 2:17), o símbolo
da ordem da criação. Segundo ele, o egoísmo fê-los comer o fruto da árvore,
levando-os assim ao fracasso em reconhecer e respeitar o mundo como fora criado
por Deus, com sua hierarquia de seres e valores. Contudo, eles não teriam
sucumbido ao orgulho e falta de sabedoria se Satã não tivesse semeado em seus sentidos "a raiz do mal" ("radix Mali").
Agostinho acredita que, neste momento, a natureza humana foi ferida pela concupiscência (ou libido),
o que lhes afetou a inteligência e a vontade além das afeições e desejos,
inclusive o sexual.
Em termos metafísicos,
concupiscência não é algo, mas uma má qualidade, a ausência do bem, ou uma
ferida.
"A
Queda da Humanidade". Segundo Agostinho, a natureza humana foi ferida pela concupiscência, um vício
que domina o ser e provoca a desordem moral em homens e mulheres.
A compreensão de
Agostinho sobre as consequências do pecado original e da necessidade da graça
redentora se
desenvolveu principalmente durante a controvérsia contra Pelágio e
seus discípulos Celéstio e Juliano de Eclano,
inspirados por Rufino da Síria, que era,
por sua vez, discípulo de Teodoro de Mopsuéstia[. Eles se
recusavam a concordar que a libido teria ferido a mente e a vontade insistindo
que a natureza humana recebeu o poder de agir, falar e pensar quando Deus a
criou; ela não poderia perder sua capacidade moral de fazer o bem, mas as
pessoas são livres para agir ou não de maneira justa. Em sua defesa, Pelágio
lançou mão do exemplo dos olhos: eles tem a capacidade de enxergar, mas a
pessoa pode fazer disto bom ou mau uso. Como Joviniano,
os pelagianos insistiam que as afeições e desejos humanos também não teriam
sido afetados pela queda. A imoralidade - como a fornicação -
é unicamente uma questão de vontade, ou seja, o ato de uma pessoa que não usa
seus desejos naturais de forma apropriada. Como argumento, Agostinho lembrou
que da aparente desobediência da carne frente ao espírito e explicou que este
era uma das consequências do pecado original, a punição pela desobediência de
Adão e Eva.
Agostinho foi maniqueísta por cerca de nove anos, uma doutrina
que ensinava que o pecado original era o "conhecimento carnal".
Porém, a luta de
Agostinho para compreender a origem do mal no mundo começou muito antes disso,
quando ele tinha apenas dezenove anos. Por "malum" ("mal"), ele entendia toda
concupiscência, que interpretava como um vício que domina o ser humano e
provoca a desordem moral em homens e mulheres. A. Trapè insiste que sua
doutrina sobre concupiscência não pode ser creditada à experiência pessoal de
Agostinho, como defendem alguns acadêmicos. Seu casamento, mesmo sem a
cerimônia cristã típica, foi exemplar, normal e feliz. Como demonstrou J.
Brachtendorf, Agostinho utilizou conceitos estoicos ciceronianos de paixão para interpretar a doutrina paulina de pecado universal e de redenção.
O ponto de vista de
que não apenas a alma humana,
mas também seus sentidos foram influenciados pela queda de Adão e Eva era
amplamente aceito na época de Agostinho entre os Padres da
Igreja. É claro que as razões para Agostinho se distanciar dos
afazeres da carne era diferente das de Plotino,
um neoplatônico que ensinava que apenas através do
desprezo pelos desejos carnais que se poderia alcançar o estado final da
humanidade. Agostinho ensinava a redenção, ou seja, a transformação e a
purificação, do corpo na ressurreição.
Alguns autores
interpretam a doutrina de Agostinho como sendo dirigida contra a sexualidade humana e atribuem sua insistência em
continência e devoção a Deus como originando na necessidade de Agostinho de
rejeitar sua própria natureza altamente sensual, descrita por ele mesmo em suas
"Confissões". Mas, à luz de suas obras, esta tese tem sido refutada.
A doutrina de Agostinho era que a sexualidade humana havia sido ferida
juntamente com o resto da natureza humana e requeria a redenção de Cristo. Esta cura é um processo que
se realiza nos atos conjugais. A virtude da continência é conquistada pela
graça do sacramento do casamento cristão, que torna-se, assim, um "remedium
concupiscentiae". A redenção da sexualidade humana só será, porém,
completamente realizada com a ressurreição do corpo.
Segundo Agostinho, o
pecado de Adão é herdado por todos os seres humanos. Já em seus escritos
pré-pelagianos, ele ensinava que o pecado original é transmitido pela
concupiscência, que ele considerava como sendo a paixão tanto do corpo quanto
da alma, o que resultava que, para ele, a humanidade era uma "massa damnata"("massa
condenada") que fragiliza - mas não destrói - a liberdade da
vontade. Teólogos reformadores como Lutero e Calvino, por outro,
lado, afirmavam que o pecado original destruía completamente a liberdade (veja depravação total).
A formulação da
doutrina do pecado original de Agostinho foi confirmada pelos papas Inocêncio I (r.
401–417) e Zósimo (r. 417–418) e pela Igreja em diversos concílios:
·
Concílio de Cartago em 418
·
Concílio de Éfeso em 431
·
Concílio de Orange em 529
·
Concílio de Trento em 1546
Anselmo de Cantuária estabeleceu em sua "Cur Deus Homo" a definição que foi depois seguida por
todos os demais acadêmicos, a de que o pecado original é "a falta de retidão comum a
todos os homens", interpretando assim a concupiscência como algo mais
do que o desejo sexual segundo a definição de alguns discípulos de Agostinho,
inclusive Lutero e Calvino, uma doutrina que foi
condenada em 1567 pelo papa Pio V.
Predestinação
Agostinho também
ensinava que algumas pessoas estavam predestinadas por
Deus a serem salvas por um decreto eterno e soberano que não se baseia na vontade e nem nos méritos do homem.
Esta graça salvadora que Deus concede é irresistível e
infalivelmente resulta na conversão. Deus também concede àqueles que salva o
dom da perseverança para que nenhum dos escolhidos de Deus
possa se afastar ou cair em tentação.
Já a Igreja Católica considera que a doutrina de Agostinho
é consistente com a do livre
arbítrio e afirma que ele disse muitas vezes que qualquer
um pode ser salvo se quiser. Apesar de Deus saber quem será salvo e quem não
será, sem possibilidade de alguém que estava destinado a se perder ser salvo,
este conhecimento representa o conhecimento perfeito de Deus sobre como os
homens irão escolher livremente seus destinos.
Teologia sacramental
Também como reação
aos donatistas,
Agostinho desenvolveu uma distinção entre "regularidade" e
"validade" dos sacramentos. São considerados regulares os
que são realizados pelo clero da Igreja Católica e os realizados pelos cismáticos são considerados irregulares. Já a
validade dos sacramentos não depende da santidade dos padres que os realizam ("ex opere operato");
portanto, sacramentos irregulares são aceitos como válidos desde que tenham
sido feitos em nome de Cristo e da forma prescrita pela Igreja. Neste tema,
Agostinho se afasta do entendimento de Cipriano, que ensinava que os convertidos de
movimentos cismáticos precisavam ser rebatizados.
Porém, Agostinho reforçou que os sacramentos administrados fora da Igreja
Católica, apesar de verdadeiros, não serviam para nada. Também afirmou que o
batismo, apesar de não conferir graça alguma quando feito fora da Igreja,
concede ao batizado essa graça tão logo ele seja recebido na Igreja Católica.
Agostinho defendia o
entendimento do cristianismo primitivo sobre a presença real de Cristo na Eucaristia afirmando que quando Jesus disse "Este é o meu corpo" era uma referência ao pão que ele
tinha nas mãos e que os cristãos
devem acreditar que o pão e o vinho são de fato o corpo e o sangue de Cristo, a despeito do que vêem seus
olhos.
Contra os pelagianos,
Agostinho sublinhou fortemente a importância do batismo
infantil. Sobre o tema da necessidade absoluta do batismo para a salvação,
ele foi refinando suas crenças durante a vida, o que provocou uma certa
confusão entre os teólogos posteriores sobre qual seria sua posição. Ele disse
em de seus sermões que apenas os batizados seriam salvos, uma crença
compartilhada por muitos dos primeiros cristãos. Porém, uma passagem de sua
"Cidade de Deus" sobre o Apocalipse pode indicar que Agostinho de fato
acreditava numa exceção para crianças pequenas nascidas de pais cristãos.
Afirmações sobre os judeus
Contra certos
movimentos cristãos, alguns dos quais rejeitavam as Escrituras
hebraicas, Agostinho afirmou que Deus havia escolhido os judeus como um povo especial e considerava que a dispersão do
povo judeu pelo Império
Romano como a
realização de uma profecia. Ele rejeitava atitudes homicidas contra eles
citando parte da mesma profecia: «Não
os mates, para que o meu povo não se esqueça; Dispersa-os pelo teu poder, e
derruba-os, Jeová, escudo nosso.» (Salmos 59:11). Finalmente,
Agostinho acreditava que os judeus se converteriam ao cristianismo no "fim dos tempos" e
defendia que Deus havia permitido que eles sobrevivessem como uma aviso aos
cristãos; sendo assim, argumentava, os governantes deveriam permitir que eles
residissem em terras cristãs.
Sexualidade
Para Agostinho, o mal
da imoralidade sexual não decorria do ato sexual em si, mas das emoções que
tipicamente o acompanham. Em "Sobre a Doutrina Cristã", ele contrasta
o amor, que é a realização por conta de Deus, e o desejo, que não tem a ver com
Ele. Para Agostinho, o amor apropriado ocorre quando se nega o prazer egoísta e
se subjuga o desejo corporal em homenagem a Deus. Ele escreveu que as virgens piedosas que foram estupradas durante o saque de Roma eram
inocentes por que não tiveram a intenção de pecar.
Filosofia de ensino
Agostinho é
considerado uma figura muito influente na história da educação e uma de suas primeiras obras, De Magistro ("Do Professor"), contém
muitos de seus pensamentos sobre o tema. Durante sua vida, suas ideias foram
mudando conforme foi encontrando novas direções ou formas melhores de
expressa-las. Finalmente, já nos seus anos finais, escreveu as
"Retratações" (ou "Reconsiderações"), revisitando suas
obras mais antigas e melhorando alguns textos. A partir dela, fica claro que
Agostinho acreditava que a educação era uma busca incansável por compreensão,
significado e verdade que sempre deixa aberto o espaço para a dúvida, o
desenvolvimento e a mudança.
Gary N. McCloskey
identificou quatro "encontros
de aprendizado" ("aulas")
na abordagem agostiniana à educação: as experiências transformadoras; a jornada
em busca da compreensão, significado e verdade; o aprendizado com os outros em
comunidade; e a criação dos hábitos de aprendizado. Segundo ele, Agostinho
acreditava ainda que o diálogo, a dialética e a discussão eram as melhores formas
de aprender e que este método deveria servir de modelo para as aulas.
Agostinho também
introduziu a tese das três diferentes categorias de estudantes às quais os
professores deveriam adaptar seus estilos de ensino: a dos que foram bem
educados por professores de renome; a dos que não foram educados; e a dos que
tiveram uma educação pobre, mas acreditam terem sido bem educados. Com os
primeiros, o professor deve tomar cuidado para não repetir o que já aprenderam
e deve desafiar cada estudante com matérias que ainda não domina completamente.
Com o estudante que não recebeu educação, o professor deve ser paciente e estar
disposto a repetir os temas até que ele os compreenda e deve ser simpático
também. Porém, o mais difícil é aquele que recebeu uma educação inferior e
acredita ser alguém que ainda não é. Para estes, Agostinho reforçou a
importância de mostrar a diferença entre "ter
as palavras e ter a compreensão" e
de ajudá-los a permanecerem humildes em seus processos de aprendizado.
Agostinho introduziu
a ideia de professores respondendo positivamente às questões que possam receber
de seus estudantes, mesmo quando forem interrompidos. Agostinho também criou o
estilo "contido" de ensino, que assegurava a compreensão completa de
um conceito pelos estudantes através de táticas simples: não bombardeá-los com
matéria em excesso; foco em um tópico por vez; ajudar na compreensão do tema ao
invés de avançar a matéria rapidamente; antecipação de questionamentos; e,
finalmente, ajudar na resolução de dificuldades e na busca pela solução dos
problemas.
Outro exemplo de uma
grande contribuição de Agostinho para a educação foi seu estudo sobre os
estilos de ensino. Segundo ele, existem dois estilos básicos: o "estilo
misto", que utiliza linguagem complexa, por vezes "exibida",
para ajudar os estudantes a enxergarem a arte e a beleza que está por trás do
tema estudado, e o "estilo grandioso", que não é tão elegante quanto
o misto, mas é apaixonado e sincero, e tem com objetivo inflamar uma paixão
similar a do professor no coração dos estudantes.
Obras
Agostinho foi um dos
mais prolíficos autores latinos em termos de obras sobreviventes e a lista de
seus trabalhos tem mais de cem títulos diferentes. Entre eles estão obras apologéticas contra
as heresias dos arianos, donatistas, maniqueístase pelagianos;
textos sobre a doutrina cristã, principalmente "De Doctrina Christiana" ("Sobre a Doutrina Cristã");
obrasexegéticas como comentários sobre o Gênesis, os Salmos e a carta de Paulo aos Romanos; diversos sermões e cartas; e uma "Retractationes", uma
revisão de suas primeiras obras escrita no final de sua vida. Além destas,
Agostinho é também bastante conhecido por suas "Confissões", que é um relato pessoal
de seus primeiros anos, e pela "Cidade de Deus" (De
Civitate Dei; em 22 livros), que ele escreveu para restaurar a confiança
aos seus companheiros cristãos abalados pelosaque de Roma pelos visigodos em 410. Sua "Sobre a Trindade", na
qual ele desenvolve a tese conhecida como "analogia psicológica" da Trindade, é uma de suas obras primas e
possivelmente uma das maiores obras teológicas de todos os tempos. Finalmente,
Agostinho escreveu ainda "Sobre a Livre Escolha da Vontade" ("De libero
arbitrio"), que trata do motivo pelo qual Deus dá aos
homens o livre
arbítrio que depois
pode ser usado para realizar o mal.
Influência
Tanto em sua
argumentação filosófica quanto na teológica, Agostinho foi fortemente
influenciado pelo estoicismo,
platonismo e neoplatonismo,
particularmente pela obra de Plotino,
o autor das "Enéadas", provavelmente por intermédio dePorfírio e Vitorino (como defendeu Pierre Hadot). Embora ele
tenha depois abandonado o neoplatonismo, algumas ideias ainda transparecem em
suas primeiras obras. Sua obra primal e influente sobre o livre
arbítrio, um tema central daética,
tornar-se-ia o foco de filósofos posteriores como Schopenhauer, Kierkegaard e Nietzsche. Agostinho foi influenciado também
por Virgílio (conhecido por suas obras sobre a
linguagem), Cícero (conhecido por suas obras sobre a
argumentação) e Aristóteles (principalmente a "Retórica" e a "Poética").
Tomás de Aquino foi fortemente influenciado por
Agostinho. No tema do pecado
original, Aquino propôs uma visão mais otimista do homem que a de
Agostinho ao preservar os poderes da razão, vontade e das paixões do homem
caído mesmo depois da queda. A doutrina de Agostinho sobre a graça eficaz encontrou uma eloquente expressão na
obra de Bernardo de Claraval.
O filósofo Bertrand
Russell se
impressionou com a meditação sobre a natureza do tempo de Agostinho nas
"Confissões" e comparou-a favoravelmente à de Kant,
que afirmava que o tempo é subjetivo. Teólogos católicos geralmente subscrevem
a crença de Agostinho de que Deus existe "fora do tempo" num
"eterno presente"; que o tempo só existe dentro do universo criado
por que apenas no espaço é possível discernir o tempo, através do movimento e
das mudanças. Estas meditações estão intimamente ligadas às suas considerações
sobre a habilidade humana da memória. Frances Yates, em seu
estudo "A Arte da Memória",
de 1966, defende que uma curta passagem de "Confissões" (10.8.12), na
qual Agostinho escreve sobre a subida de um lance de escadas e a entrada nos
vastos campos da memória claramente
indica que os antigos
romanos estavam
cientes de como utilizar metáforas espaciais e arquiteturais explícitas como
uma técnica mnemônica para organizar grandes quantidades de
informação.
O método filosófico
de Agostinho, demonstrado especialmente em suas "Confissões", exerceu
uma contínua influência sobre a filosofia europeia continental por todo oséculo
XX. Sua abordagem descritiva sobre a intencionalidade, memória e linguagem
conforme estes fenômenos são experimentados no tempo e na
consciência anteciparam e inspiraram ideias na moderna fenomenologia e hermenêutica.
Edmund
Husserl escreveu: "A análise da consciência do
tempo é uma antiga crux [desafio] da psicologia descritiva
e da teoria do conhecimento. O primeiro pensador a ser profundamente sensível
às imensas dificuldades neste campo foi Agostinho, que trabalhou quase a ponto
de se desesperar sobre este problema". Martin
Heidegger faz
referência à filosofia descritiva de Agostinho em diversos pontos de sua obra
mais influente, "Ser e Tempo" .Hannah Arendt começou sua carreira filosófica com
uma dissertação sobre o conceito de amor de Agostinho, "Der Liebesbegriff bei
Augustin" (1929): A jovem Arendt tentou mostrar que a
base filosófica para a "vita
socialis" em Agostinho
pode ser entendida como sendo o amor entre vizinhos com base em sua compreensão
da origem comum da humanidade". Jean Bethke Elshtain em "Augustine and the Limits of
Politics" ("Agostinho
e os Limites da Política") encontrou relações entre Agostinho e Arendt em
seus respectivos conceitos sobre o mal: "Agostinho
não via o mal como glamorosamente demônico, mas, ao invés disso, como uma
ausência do bem, algo que paradoxalmente é, na realidade, nada. Arendt...
vislumbrou o mal extremo que produziu o Holocausto como meramente banal [em "Eichmann em Jerusalém"]". Ludwig Wittgenstein citou Agostinho extensivamente em suas
"Investigações Filosóficas" por sua
abordagem a linguagem, tanto de forma positiva quanto como contraponto para
suas próprias ideias, incluindo uma longa passagem de abertura das "Confissões". Em seu livro
autobiográfico, "Milestones",
o papa Bento
XVI afirmou que
Agostinho foi uma de suas mais importantes influências.
Santo Agostinho, o
idealizador da revelação divina
Sábio cristão afirmava que o homem só tem acesso ao
conhecimento quando iluminado por Deus
Embora tenha vivido nos últimos
anos da Idade Antiga - que se encerrou com a queda do Império Romano, no ano de
476 -, Santo Agostinho (354-430) foi o mais influente pensador ocidental dos
primeiros séculos da Idade Média (476-1453). A ele se deveu a criação de uma
filosofia que, pela primeira vez, deu suporte racional ao cristianismo. Com o
pensamento de Santo Agostinho, a crença ganhou substância doutrinária para
orientar a educação, numa época em que a cultura helenística (baseada no
pensamento grego) havia entrado em decadência e a nova religião conquistava
cada vez mais seguidores, mesmo se fundamentando quase que exclusivamente na fé
e na difusão espontânea.
Outros pensadores já haviam se dedicado à revisão
da cultura clássica (greco-romana) para adaptá-la aos novos tempos. Havia nisso
algo de estratégico, já que o paganismo ainda continuava vivo na Europa e em
regiões vizinhas. Era uma forma de mostrar aos indecisos que a conversão ao
cristianismo não seria incompatível com maneiras de viver e de pensar a que
estavam acostumados. Entre os pensadores gregos, o que mais se prestava à
construção de uma filosofia cristã era Platão (427-347 a.C.), e a escola de
pensamento hegemônica nos primeiros séculos da Idade Média ficou conhecida como
neoplatonismo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário