quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

O Canon bíblico verdadeiro

Orígenes de Alexandria rejeitou os livros deuterocanônicos? 

Respondendo aos protestantes
 

Orígenes de Alexandria ou Orígenes Adamantio (185-254) foi mestre de famosa Escola de Teologia em Alexandria (Egito) no século III. Ele foi um dos mais modestos dos escritores primitivos; quase nunca faz alusão a si mesmo em suas próprias obras, mas Eusébio de Cesareia dedicou-lhe quase todo o sexto livro da “História Eclesiástica”. Eusébio conhecia bem os escritos de Orígenes e conservou-lhe um lista de certos livros canônicos que chegou até nós e que é usada por protestantes como acusação contra os santos livros sagrados, rejeitados por eles. Estas são as palavras de Orígenes:

Quando expõe o Salmo primeiro, ele dá um catálogo das Sagradas Escrituras do Antigo Testamento da seguinte forma: ‘Deve-se afirmar que os livros canônicos, como os hebreus têm são 22, correspondendo com o número das letras do alfabeto.’ Mais adiante ele diz: ‘Os livros de 22 dos hebreus são os seguintes: Aquile que é chamado por nós de Gênesis, mas pelos hebreus, desde o início do livro, Breshith, que significa ‘no começo’, Êxodo, Welesmoth, isto é, ‘estes são os nomes’; Levítico, Wikra, ‘e ele chamou’ ; Números, Ammesphekodeim, Deuteronômio, Eleaddebareim ‘estas são as palavras’; Josué, filho de Nun, Josoue ben Noun; Juízes e Ruth, todos eles em um livro, Saphateim, o primeiro e segundo Samuol dos Reis, os 2 em um Livro, isto é, ‘o chamado de Deus’, terceiro e quarto dos Reis em um, Wammelch David, isto é, ‘o reino de Davi’, das Crônicas, o primeiro e o segundo em um, Dabreiamein, isto é, ‘registros de dias’; Esdras, primeiro e segundo um em um, Ezra, isto é, “um assistente”, o livro dos Salmos, Spharthelleim ; os Provérbios de Salomão, Meloth; Eclesiastes, Koelth, o Cântico dos Cânticos (e não, como alguns supõem, Cânticos dos Cânticos), Sir Hassirim, Isaías, Jessia; Jeremias, com Lamentações e a Epístola em um, Jeremia; Daniel, Ezequiel, Jezekiel; Jó; Ester, Esther;. E fora estes, há os Macabeus, que é intitulado Sarbeth Sabanaiel” Ele dá estes no trabalho acima mencionado.” (EUSÉBIO, 2000).

Orígenes NÃO CITA os Doze profetas menores e não se sabe ao certo por quê, logo de modo alguma ele estaria mencionando uma lista do cânon bíblico. Acrescenta dois registros ao profeta Jeremias: lamentações sobre os quais não há disputa alguma entre protestantes e católicos e a “Epistola”, que é o livro de Baruc, pois como já foi visto Jeremias, na Septuaginta, leva junto a si, Lamentações e Baruc e também inclui a estes os dois livros dos Macabeus. Seja como for, ele aceita, nessa lista, três livros excluídos por judeus e protestantes, e rejeita 12 aceito por eles.

QUAL O REAL PENSAMENTO DE ORÍGENES?

Para os protestantes, Orígenes refere-se, em sua lista, ao cânon judaico de vinte e dois livros e dos deuterocanônicos, contudo inclui os dois livros dos Macabeus, e, ainda, omite os 12 profetas menores. Poderíamos pensar, então, que ele não tinha os outros demais livros como canônicos como também os 12 profetas não citados? A resposta curta e direta é: Não! Porque ele mesmo explica que também nós recebemos os outros livros, embora não do mesmo modo que os judeus, pois enquanto os judeus recebem somente os que ele cita e a nenhum outro, nós recebemos outros livros a respeito dos quais, ele, sem rejeitar, silenciou. Orígenes orientava que não se devia empregá-los em polêmicas com os judeus para não lhes causar escândalo. Orientação que também foi adotada por outros padres. Em sua carta a Africano ele diz o seguinte:

“Nós [cristãos] procuramos não ignorar quais são as Escrituras dos judeus, a fim de que, ao disputarmos com eles, não citemos aquelas que não se encontram nos exemplares deles, mas sim aquelas de que se servem” (Epístola a Africano 5).

Santo Agostinho, por exemplo, apesar de citar todos os deuterocanônicos em sua lista, também segue esse mesmo pensamento. Parece que ao menos alguns dos padres desejaram ser conciliatórios com os judeus na medida em que eles se julgavam os legítimos proprietários das Escrituras. Assim sendo, Orígenes teria registrado publicamente apenas os livros possuídos em comum, sem desejar negar (para evitar qualquer tipo de polêmica ou discussão extra) os que nós cristãos temos a mais, ou seja, os livros deuterocanônicos. Por outro lado, em suas obras é largamente visto o reconhecimento dos livros deuterocanônicos como inspirados. Isso se constata, por exemplo, nas obras que serão, posteriormente, analisadas.

É importante ler também o que São Clemente de Alexandria (mestre de Orígenes) tem a dizer a respeito de certos livros não mencionados:

“Assim não podemos explicitar o mistério, mas unicamente dar aos preparados, indicações suficientes para que possam memorizá-lo [...] assim os próprios símbolos da escritura ocultam o sentido para encorajar o exame e preservar os ignorantes do escândalo [...] assim, segundo vão sendo treinados e exercitados, podem assimilar os ensinamentos mais adiantados.” (Stromata I, VI).

São Clemente mostra que muitas coisas (inclusive os deuterocanônicos) não eram reveladas aos que não eram preparados, justamente para não se confundirem ao ver o cânon cristão com livros a mais do que o judaico palestino.

Também Orígenes diz:

“assim, se certas doutrinas ocultas ao público são reveladas somente após o ensino das doutrinas publicamente ensinadas, não devemos considerar tal fato como peculiar ao cristianismo, pois nos deparamos com eles em todos os sistemas filosóficos nos quais há certas verdades destinadas ao grande público e outras destinadas apenas aos adeptos.” (in Contra Celso VII).

E em outro trecho da mesma obra:

Nós só mencionamos a Sabedoria entre os que são perfeitos.” (Ibdem Cap LIX)

O mesmo se encontra na Homilia V sobre Levítico e em inúmeros outros trechos de suas obras. Muito provavelmente Orígenes não desejava divulgar entre os judeus palestinos a parte do cânon que eles não tinham com o objetivo de evitar disputas vãs e inúteis. Daí tê-los omitido em seu Comentário dos Salmos destinado ao grande público.

Apesar do burburinho protestante quanto a tal omissão ou restrição dos deuterocanônicos por Orígenes, tal atitude dele estava de pleno acordo com suas próprias palavras e com o ensinamento de grande parte dos padres da Igreja. Logo, Orígenes não recebeu os deuterocanônicos como obras de origem puramente humana (como os protestantes pensam) nem como obras meio inspiradas, mas como obras verdadeiramente canônicas, inspiradas e divinas, pertencentes às Santas Escrituras. Não os citou em sua lista por causa de um propósito e contexto específico. Examinemos, pois, suas próprias palavras.
 
Sobre os trechos de Daniel, em sua carta dirigida a Júlio Africano, diz ele:

Você começa dizendo que quando em minha discussão com o nosso amigo Bassus, eu usei a Escritura que contém a profecia de Daniel quando ainda jovem na questão de Susana, e que eu fiz isso como se tivesse me passado que esta parte do livro era espúria [...] Você alega que tais escritos são falsos porque só se encontram no grego e não no hebraico [...] Em resposta a isso, digo que há muitas outras passagens, que como a História de Susana - que é recebida por toda a Igreja de Cristo - subsistem apenas no grego e não no hebraico[...] ademais todas podem ser encontradas em Áquila e Teodósio.” (Carta a Africano, parágrafo 2).

Por que os judeus os retiraram de suas Escrituras? Orígenes comentou sobre qual foi o motivo da passagem de Susana ser removida. Os judeus não queriam passagens mostrando anciãos sendo condenados. Na história de Susanna, ela é desejada por dois anciãos, que tentam abusá-la sexualmente, mas Daniel vem em sua defesa e condena os anciãos. Aqui está o motivo por que, segundo Orígenes, os judeus mutilaram o livro de Daniel:

“Vejamos agora, se nestes casos, não somos forçados a concluir, que enquanto o Salvador dá um relato verdadeiro deles, nenhuma das Escrituras, que poderia provar o que Ele diz, é encontrada. Pois eles que constroem os túmulos dos profetas e decoram os túmulos dos justos, condenando os crimes cometidos por seus pais contra os justos e os profetas, dizendo: ‘Se tivéssemos vivido nos dias de nossos pais, não teríamos sido seus cúmplices com eles no sangue dos profetas’ (Mateus 23, 30). No sangue de qual dos profetas, alguém pode me dizer? Pois, onde é que vamos encontrar algo assim escrito em Isaías, ou Jeremias, ou qualquer um dos doze, ou Daniel? Então, cerca de Zacarias, filho de Baraquias, que foi morto entre o santuário e o altar, aprendemos só com Jesus, não sabendo de outra forma a partir de qualquer Escritura. Portanto eu acho que não é possível outra suposição, além do que o que tinha a reputação de sabedoria, e os governantes e os anciãos, tiraram do povo cada passagem que poderia levá-los a descrédito entre o povo. Não precisamos nos admirar, então, que essa história do artifício maligno dos anciãos licenciosos contra Susanna é verdadeira, mas foi escondida e retirada das Escrituras pelos próprios homens não obstante pelo conselho desses anciãos”. (Orígenes a Africano, 9). Assim, Orígenes fala da validade e do verdadeiro status de Escritura da parte deuterocanônica de Daniel. Ele diz que os cristãos não têm por que duvidar da sua veracidade. Afirma que os judeus que a esconderam e a retiraram de suas Escrituras o fizeram para “proteger” os anciãos do descrédito do povo. A Igreja não participou dessa dissimulação, como Orígenes indica, pois essa parte é verdadeiramente Escritura.

Sobre o livro do Eclesiástico

“pelo menos é o que a Escritura Divina declara: ‘Qual raça é digna de honra? A raça dos homens? Qual raça é digna de desprezo? A raça dos homens?’ (Eclesiástico 10, 19)” (Contra Celso LVIII, 50). Poderá haver palavras mais claras: “Escritura Divina”?

“Aqueles que desejam viver segundo as Escrituras aprenderam que: ‘A ciência do tolo é um discurso incoerente’ (Eclesiástico 21, 18)” (ibidem LVII, 12).

“E, como um princípio geral observar a expressão ‘atrás’, porque é uma coisa boa quando alguém vai atrás do Senhor Deus e está atrás do Cristo; mas é o contrário, quando alguém lança as palavras de Deus para trás, ou quando ele transgride o mandamento que diz: ‘não ande atrás das tuas paixões.’ (Eclesiástico 18, 30) E Elias também no terceiro Livro dos Reis, diz ao povo ‘Até quando andareis mancando de um lado e de outro? Se o SENHOR é o verdadeiro Deus, segui-o; mas, se é Baal, segui a ele.’(1 Reis 18:21)” (Orígenes, Comentário sobre Mateus 23. Livro XII, 22). Orígenes aqui declara a passagem do Eclesiástico como “mandamento”.

Sobre o livro da Sabedoria

“Ora, aprendemos que o Filho de Deus é “A expressão de sua glória e a expressão de seu ser” (Filipenses 1,3) “Eflúvio do poder de Deus, emanação puríssima da glória do Onipotente, um reflexo da luz perpétua, um nítido espelho da atividade divina e imagem de sua bondade.” (Sabedoria 7,25)” (Contra Celso LVIII , 14).

Ousaria Orígenes fazer combinação entre Filipenses e a Sabedoria, caso não admitisse o caráter inspirado de qualquer um dos dois livros? Ousaria associar um livro inspirado a um livro semi-inspirado ou, o que é pior, um trecho extraído de um livro canônico com um trecho pertencente a uma obra puramente humana? Certamente que não. Devemos, então, concluir que para Orígenes o livro da Sabedoria era tão inspirado quanto a Carta de Paulo aos Filipenses.

Como é definido pela palavra de Deus: 'Emanação do poder de Deus, eflúvio de sua Onipotente Glória... (Sabedoria 7, 25)” (Contra Celso Livro III,72). 
Poderá haver palavras mais claras que essas?

Sobre o livro de Tobias

“Mas estes oram juntos com aqueles que realmente oram, não só o sumo sacerdote, mas também os anjos que ‘alegrar-se no céu por um pecador arrependido do que por noventa e nove justos que não necessitam de arrependimento’, (Mateus 15, 7) e também as almas dos santos já descansam. Duas instâncias deixam isto claro. A primeira é quando Rafael oferece seu serviço a Deus por Tobit e Sara. Depois de tanto orado, a Escritura diz: ‘A oração de ambos foi ouvida ante a presença do grande Rafael e ele foi enviado para curar os dois’(Tobias 3, 16-17)...” (Sobre a Oração VI). Quanto a esse trecho, nenhum comentário é necessário, pois ele fala por si só.
 
Sobre os Livros dos Macabeus

“Mas para que possamos crer na autoridade das Sagradas Escrituras que tal é o caso, ouça como no livro de Macabeus, onde a mãe dos sete mártires exorta seu filho a suportar a tortura, esta verdade é confirmada, pois ela diz, ‘peço a ti, meu filho, para observar o céu e a terra, e em todas as coisas que neles há, e vendo estas, saber que Deus fez todas essas coisas quando elas não existiam. ’ (II Macabeus 7, 28)”(Dos Princípios 2,5).

Na obra Exortação Ao Martírio, após haver citado e comentado o episódio do martírio dos sete irmãos, descrito em II Macabeus, ele diz:

Penso ter escolhido o que há de mais útil na Escritura para predispor os ânimos...” (Exortação ao martírio 23 - 27).

Sobre o livro de Baruc

“A Escritura Ensina: ‘Ouve oh Israel os preceitos da vida e as normas da prudência’ (Baruc 3,9).” (Homilia VII).

CONCLUSÃO

Portanto, as próprias palavras de Orígenes nos obrigam a admitir que ele recebia como inspirados e divinos os fragmentos de Ester e Daniel, a Sabedoria, Eclesiástico, Tobias, Judite e os dois livros dos Macabeus, e que deles extraía ensinamentos de caráter doutrinal. Qualquer tentativa, pois, de usar Orígenes para sustentar o cânon judaico-protestante veterotestamentário é desmentido pelo fato de Orígenes, além de não citar todos os livros por eles aceitos em sua lista, em seus outros escritos ele usa largamente como Escrituras os deuterocanônicos. 

BIBLIOGRAFIA

RODRIGUES, Rafael. Manual de Defesa dos Livros Deuterocanônicos. 1a edição. Salvador. BA: Clube dos Autores, 2012.

BREEN A. E. A General and Critical Introduction to the Holly Scripture. New York: John P. Smith Printing, 1897. 

RODRIGUES, Rafael. Orígenes de Alexandria rejeitou os livros deuterocanônicos? Disponível em: <> Desde: 20/06/2013 

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