segunda-feira, 26 de setembro de 2016

Tratado sobre a Virgindade Perpétua de Maria

Tratado de São de Jerônimo que cala a boca de muitos protestantes mal informados!

 

São Jerônimo contra Helvídio



 
Este tratado surgiu por volta do ano 383 DC, quando Jerônimo e Helvídio se encontravam em Roma, no tempo do papa Dâmaso. As únicas informações contemporâneas que se conservam de Helvídio são estas, fornecidas por Jerônimo.
A questão que trouxe este tratado à luz foi: teria a Mãe de Nosso Senhor permanecido virgem após o nascimento de seu Filho? Helvídio afirmava que os Evangelhos mencionando os "irmãos" e "irmãs" do Senhor provavam que Maria teria tido outros filhos, baseando sua opinião nos escritos de Tertuliano e Vitorino.
A conclusão deste ponto de vista é que a virgindade se situa numa posição inferior ao casamento. Jerônimo defende o outro lado, mantendo três proposições contra Helvídio:
  1. José era o suposto marido de Maria, mas não o era de fato;
  2. Os "irmãos" do Senhor eram seus primos (parentes), não irmãos de verdade; e
  3. A virgindade é superior ao estado de casado.
A primeira proposição ocupa os capítulos 3 a 8. Baseia-se no registro de Mt 1,18-25, especialmente nas palavras: "antes que coabitassem" (cap. 4) e "não a conheceu até que" (caps. 5-8).
A segunda, gira em torno da expressão: "filho primogênito" (caps. 9-10), que Jerônimo afirma ser aplicável não apenas ao primeiro de uma série de vários filhos, mas também ao filho único. Quanto à menção dos irmãos e irmãs de Jesus, Jerônimo garante serem filhos de outra Maria, esposa de Cléofas ou Clopas (caps. 11-16); para fundamentar sua posição, cita diversos escritores da Igreja (cap. 17).
Na terceira e última parte, para sustentar a preferência da virgindade sobre o casamento, Jerônimo afirma que não apenas Maria mas também José mantiveram seu estado virginal (cap. 19); diz, também, que embora o casamento possa ser um estado santo, apresenta grandes obstáculos para a oração (cap. 20) e que o ensinamento da Escritura declara que o estado de virgindade e continência estão mais de acordo com o desejo de Deus do que o casamento (caps. 21-22).

Parte I: Introdução

CAPÍTULO I
 
Há algum tempo, recebi o pedido de alguns irmãos para responder a um panfleto escrito por um tal Helvídio. Demorei para fazê-lo, não porque fosse tarefa difícil defender a verdade e refutar um ignorante sem cultura, que dificilmente tomou contato com os primeiros graus do saber, mas porque fiquei preocupado em oferecer uma resposta digna, que desmoronasse os seus argumentos.
Havia ainda a preocupação de que um discípulo confuso (o único sujeito do mundo que se considera clérigo e leigo; único também, como se diz, que pensa que a eloqüência consiste na tagarelice, e que falar mal de alguém torna o testemunho de boa fé) poderia passar a blasfemar ainda mais, caso lhe fosse dada outra oportunidade para discutir. Ele, então, como se estivesse sobre um pedestal, passaria a espalhar suas opiniões em todos os lugares.
Também temia que, quando caísse na realidade, passasse a atacar seus adversários de forma ainda mais ofensiva.
Mas, mesmo que eu achasse justos todos esses motivos para guardar silêncio, muito mais justamente deixaram de me influenciar a partir do instante em que um escândalo foi instaurado entre os irmãos, que passaram a acreditar nesse falatório. O machado do Evangelho deve agora cortar pela raiz essa árvore estéril, e tanto ela quanto suas folhagens sem frutos devem ser atiradas no fogo, de tal maneira que Helvídio - que jamais aprendeu a falar - possa aprender, finalmente, a controlar a sua língua.

CAPÍTULO II
 
Invoco o Espírito Santo para que Ele possa se expressar através da minha boca e, assim, defenda a virgindade da bem-aventurada Maria. Invoco o Senhor Jesus para que proteja o santíssimo ventre no qual permaneceu por aproximadamente dez meses, sem quaisquer suspeitas de colaboração de natureza sexual. Rogo também a Deus Pai para que demonstre que a mãe de Seu Filho - que se tornou mãe antes de se casar - permaneceu Virgem ainda após o nascimento de seu Filho.
Não desejamos entrar no campo da eloqüência, nem usar de armadilhas lógicas ou dos subterfúgios de Aristóteles. Usaremos as reais palavras da Escritura; [Helvídio] será refutado pelas mesmas provas que empregou contra nós, para que possa ver que lhe foi possível ler conforme está escrito, e, ainda assim, foi incapaz de perceber a conclusão de uma fé sólida

Parte II: José era o suposto marido de Maria;
não era marido de fato

CAPÍTULO III
 
Sua primeira declaração é: "Mateus diz: 'O nascimento de Jesus Cristo foi assim: quando sua mãe Maria estava prometida a José, antes de coabitarem, encontrou-se grávida pelo Espírito Santo. E José, seu marido, sendo um homem justo e não desejando denunciá-la publicamente, pensou em repudiá-la em segredo. Mas enquanto pensava essas coisas, um anjo do Senhor lhe apareceu em sonho e disse: 'José, filho de Davi, não temas em tomar para ti Maria como tua esposa, pois o que nela foi gerado provém do Espirito Santo'. Notem" - continua ele - "que a palavra empregada é 'prometida' e não 'confiada', como vocês dizem; é óbvio que a única razão para estar prometida é porque deveria se casar um dia. E o Evangelista não iria dizer 'antes de coabitarem' se eles não viessem a coabitar no futuro, já que ninguém usaria a frase 'antes de jantar' se certa pessoa não fosse jantar. Também o anjo a chama 'tua esposa' e se refere a ela como unida a José. A seguir, somos chamados a ouvir a declaração da Escritura: 'E José despertou do seu sono e fez como o anjo do Senhor lhe havia ordenado, tomando-a para si como esposa; e não a conheceu até que deu à luz a seu filho'".

CAPÍTULO IV
 
Consideremos cada um desses pontos, pois seguindo o caminho dessa impiedade mostraremos que ele [Helvídio] está se contradizendo. Admite que [Maria] estava "prometida" e que o próximo passo seria se tornar esposa daquele homem a quem estava prometida. Novamente, ele a chama de "esposa" e diz que a única razão para estar prometida seria pelo fato de casar-se um dia. E, temendo que não o compreendêssemos suficientemente bem, ainda diz: "a palavra usada é 'prometida' e não 'confiada', isto é, ela ainda não se tornara esposa, nem mesmo havia sido unida pelo contrato de casamento".
Mas quando ele continua: "o Evangelista jamais usaria tais palavras se eles não viessem a se juntar futuramente, já que não se usa a frase 'antes de jantar' se certa pessoa não for jantar", sinceramente não sei se devo lamentar ou rir. Deveria acusá-lo de ignorância ou de imprudência? Como se isto, supondo que uma pessoa dissesse: "Antes de jantar no porto, naveguei para a África", significasse que tais palavras obrigatoriamente demonstrassem que essa pessoa alguma vez já jantou no porto. Se eu preferisse dizer: "o apóstolo Paulo, antes de ir para a Espanha, foi preso em Roma", ou (como também acho provável) "Helvídio, antes de se arrepender, morreu"; acaso teria Paulo obrigatoriamente estado na Espanha [após a prisão], ou Helvídio se arrependeria após a morte, ainda que a Escritura diga: "No Sheol quem vos dará graças?"
Não podemos entender a preposição "antes" - ainda que muitas vezes signifique ordem no tempo - como também ordem de pensamento? Portanto, não há necessidade que nossos pensamentos se concretizem, se alguma causa suficiente vier a evitá-los (sua concretização). Logo, quando o Evangelista diz "antes que coabitassem", indica apenas o tempo imediatamente precedente ao casamento, e mostra que estava em estado bem adiantado, pois ela já estava prometida, a ponto de estar próximo o momento de se tornar esposa. Conforme diz [o Evangelista], antes de se beijarem e se abraçarem, antes da consumação do casamento, ela se encontrou grávida. E ela foi determinada para pertencer a ninguém mais a não ser José, que guardou com zelo o ventre cada vez maior de sua prometida, com olhar inquieto mas que, a esta altura, quase que com o privilégio de um marido.
Ainda que possa parecer - conforme o exemplo citado - que ele teve relações sexuais com Maria após o seu parto, o seu desejo poderia ter desaparecido pelo fato dela já ter concebido anteriormente. E, embora encontremos que foi dito a José em um sonho: "Não temas em receber Maria por tua esposa" e, de novo: "José despertou do seu sono e fez conforme o anjo lhe ordenara, tomando-a por sua esposa", não devemos nos preocupar com isto, pois ainda que seja chamada "esposa", ela somente deixou de ser prometida, pois sabemos que é usual na Escritura dar esse título para aqueles que são noivos.
A seguinte evidência, retirada do Deuteronômio, assim o indica: "Se um homem" - diz o Escritor [sagrado] - "encontra uma mulher prometida no campo e a violenta, deve ser morto porque humilhou a esposa do seu próximo"; e, em outro lugar: "Se uma virgem é prometida a um marido, e um homem a encontra na cidade e a violenta, então deveis trazê-los para fora do portão da cidade e os apedrejareis até à morte; a mulher porque não gritou, estando na cidade, e o homem porque humilhou a esposa do seu próximo. Fareis isto para eliminar o mal do meio de vós"; e também, em outra parte: "Que tipo de homem é este que possui uma esposa prometida e ainda não a recebeu? Que volte para sua casa, para que não morra na batalha, e que outro homem a despose".
Mas se alguém guarda dúvidas do porquê a Virgem concebeu após estar prometida [a José], uma vez que não estava prometida a mais ninguém, ou, para usar os termos da Escritura, estava sem marido, deixe-me explicar três razões: [1ª] Pela genealogia de José, Maria possuía parentesco com ele, e a origem de Maria também precisava ser demonstrada; [2ª] Porque ela não poderia ser enquadrada na Lei de Moisés para ser apedrejada como adúltera; [3ª] Porque em sua fuga para o Egito ela precisava de segurança, o que poderia ser obtido com a ajuda de um guardião, de preferência um marido.
Quem, naquele tempo, acreditaria na palavra da Virgem, de que teria concebido pelo poder do Espírito Santo, e que o anjo Gabriel lhe teria aparecido para anunciar o propósito de Deus? Todos não a chamariam de adúltera, como fizeram com Suzana? (acréscimos de Daniel septuaginta) Ainda nos tempos presentes, quando praticamente toda a terra abraçou a Fé, não vêm os judeus afirmar que as palavras de Isaías: "Eis que a 'Virgem' conceberá e dará à luz um filho" são equívocas porque o termo hebraico almah que aparece na frase, significa mulher jovem, enquanto que o termo bethulah, que significa virgem não é usado? Tal posição, abordaremos com mais detalhes adiante.
Finalmente, com exceção de José, Isabel e da própria Maria - e talvez de mais alguns poucos que podemos supor ouviram a verdade da boca deles - todos supunham que Jesus era filho de José. E de tal modo era essa a suposição que até mesmo os Evangelistas, expressando a opinião corrente - que é a regra correta para qualquer historiador - o chamavam de pai do Salvador, como, por exemplo: "Movido pelo Espírito, ele (isto é, Simeão) veio ao Templo. Então os pais trouxeram o menino Jesus para cumprir as prescrições da Lei a seu respeito"; e, em outro lugar: "E seus pais iam todos os anos a Jerusalém por ocasião da festa da Páscoa"; e, mais adiante: "Tendo completado os dias, eles retornaram, mas o menino Jesus permaneceu em Jerusalém, e seus pais não sabiam disso".
Note-se que a própria Maria respondeu ao [anjo] Gabriel com as seguintes palavras: "Como se sucederá isso, se não conheço varão?", dizendo isto a respeito de José; e, mais: "Filho, por que fizeste isto conosco? Teu pai e eu estávamos à tua procura". Não fazemos uso aqui, como muitos fazem, do discurso dos judeus ou dos escarnecedores. Os Evangelistas chamam José de "pai" e Maria confessa que ele era pai. Não - como já disse antes - que José fosse realmente o pai do Salvador, mas, preservando a reputação de Maria, todos o viam como sendo o pai [de Jesus], pois ouvira a advertência do anjo: "José, filho de Davi, não temas em tomar para ti Maria como tua esposa, pois o que nela foi gerado provém do Espírito Santo", pois pensava em repudiá-la em segredo; tudo isto bem demonstrando que o filho não era dele.
Ao dizermos tudo isto, mais com o objetivo de oferecer uma instrução imparcial do que responder a um oponente, mostramos o porquê José era chamado de pai de Nosso Senhor e o porquê Maria era chamada de esposa de José. Isto também responde ao porquê de certas pessoas serem chamadas de "seus irmãos".

CAPÍTULO V
 
Entretanto, este último ponto encontrará seu lugar apropriado mais adiante.
Vamos agora abordar outros tópicos. A passagem que discutiremos agora é: "E José despertou de seu sono e fez conforme o anjo lhe ordenara, tomando-a como sua esposa; e não a conheceu até que deu à luz a um filho, e ele lhe colocou o nome de Jesus". Aqui, antes de mais nada, é absolutamente inútil para o nosso oponente querer demonstrar, de forma tão elaborada, que essas palavras se referem à cópula sexual, especialmente na compreensão intelectual: qualquer um pode negar isso e toda pessoa de bom senso pode imaginar a estupidez da refutação que Helvídio se esforçou por sustentar. Ele quer nos ensinar que o advérbio "até que" implica um tempo fixo e definitivo que, ao se completar, ocorre o evento que até então não se realizara; como neste caso: "e não a conheceu até que deu à luz um filho".
Segundo ele, é claro que ela [Maria] foi conhecida depois, e que apenas aguardara o tempo necessário para o nascimento de seu filho. Para defender sua posição, [Helvídio] amontoa textos e mais textos sem qualquer critério, comportando-se como um gladiador cego que fica movimentando sua espada a esmo, dizendo asneiras com sua língua barulhenta e terminando sem ferir ninguém, a não ser a si próprio.

CAPÍTULO VI
 
Nossa resposta é brevemente esta: as palavras "conhecer" e "até que", na linguagem da Sagrada Escritura, possuem duplo significado. Do primeiro [quanto a "conhecer"], ele mesmo [Helvídio] nos ofereceu uma dissertação para mostrar que pode se referir a relação sexual, como também ninguém duvida que pode ser usada para significar percepção (entendimento, saber), como, por exemplo: "o menino Jesus permaneceu em Jerusalém e seus pais não tinham conhecimento disso".
Já que provamos que ele seguiu o uso da Escritura neste caso, com relação à expressão "até que" será completamente refutado pela autoridade da mesma Escritura, pois várias vezes significa um certo tempo sem limitação, como quando Deus diz a certas pessoas pela boca do profeta: "Até à vossa velhice Eu sou o mesmo"; acaso Ele deixará de ser Deus após essas pessoas envelhecerem? E, no Evangelho, o Salvador diz aos Apóstolos: "Estarei convosco até a consumação do mundo"; será que quando chegar o fim dos tempos o Senhor abandonará Seus discípulos e estes, quando estiverem sentados sobre os doze tronos para julgar as doze tribos de Israel, estarão privados da companhia de seu Senhor?
Também Paulo, ao escrever aos Corintios, declara: "[Cada um, porém, na sua ordem:] Cristo, as primícias; depois os que são de Cristo, na sua vinda. Então virá o fim quando ele entregar o reino a Deus o Pai, quando houver destruído todo domínio e toda autoridade e todo poder. Pois é necessário que Ele reine até que haja posto todos os inimigos debaixo de seus pés". Certos de que a passagem relata a natureza humana de Nosso Senhor, não temos como negar que as palavras são Daquele que sofreu [morte] na cruz e que mais tarde se sentou à direita [de Deus]. O que Ele quer demonstrar ao dizer que "é necessário que Ele reine até que haja posto todos os inimigos debaixo de seus pés"? O Senhor reinará apenas até colocar todos os seus inimigos sob os seus pés e, depois disso, deixará de reinar? É óbvio que seu reino estará começando quando seus inimigos estiverem sob os seus pés.
Também Davi, na Quarta Canção da Ascensão, fala assim: "Olhai: assim como os olhos dos servos olha para a mão de seu mestre; assim como os olhos da moça olham para a mão de sua senhora; assim também os nossos olhos olham para o Senhor, nosso Deus, até que tenha misericórdia de nós". Será então que o profeta, olhando para Deus com o intuito de obter misericórdia, irá desviar seu olhar para o chão assim que obtiver misericórdia? [Certamente que não,] ainda que ele, em algum lugar, diga: "Meus olhos quedam pela tua salvação e pela palavra da tua justiça".
Eu poderia acrescentar inúmeras passagens como estas que, atestam esse uso, e cobriria com uma nuvem de provas a verbosidade do nosso contendente. Porém, acrescentarei mais algumas passagens e deixarei que o leitor descubra outras semelhantes por si mesmo.

CAPÍTULO VII
 
A Palavra de Deus diz em Gênesis: "Entregaram a Jacó todos os deuses estranhos que tinham em suas mãos, e as argolas que penduravam em suas orelhas; e Jacó os escondeu debaixo do carvalho que está junto a Siquém , e continuam perdidos até o dia de hoje". Igualmente lemos no final do Deuteronômio: "Assim, Moisés, servo do Senhor, morreu ali na terra de Moab, conforme a palavra do Senhor. E foi sepultado no vale, na terra de Moab, defronte de Beth-Peor; até o dia de hoje ninguém sabe o lugar da sua sepultura".
Certamente devemos identificar a expressão "até o dia de hoje" com o tempo da composição da história, podendo vocês preferirem o ponto de vista que afirma que Moisés foi o autor do Pentateuco ou que Esdras o reeditou. Não faço qualquer objeção em ambos os casos. A questão agora é saber se as palavras "até o dia de hoje" se referem à época da publicação ou composição desses livros e, caso o sejam, por que [Helvídio] não mostra - agora que muitos e muitos anos se passaram desde aquele dia - que os ídolos escondidos sob o carvalho ou a sepultura de Moisés foram descobertos, já que ele sustenta, com demasiada teimosia, que certa coisa não pode ocorrer dentro de um espaço de tempo delimitado pela expressão "até que" mas, para que venha a ocorrer, é necessário que atinja aquele ponto delimitado por "até que"?
Ele faria bem se prestasse atenção ao idioma da Sagrada Escritura e compreendesse como nós - já que se encontra mergulhado na lama; certas coisas parecem ambíguas quando não claramente declaradas, emboras outras coisas sejam deixadas assim para exercitar o nosso intelecto. Ora, se ainda quando o evento permanecia fresco na memória daqueles homens que viram e conviveram com Moisés já se desconhecia o local da sepultura, quanto mais agora depois que tantos anos se passaram!
E da mesma forma devemos interpretar o que se conta a respeito de José. O Evangelista apontou uma circunstância que poderia causar escândalo, ou seja, que Maria não foi conhecida por seu marido até dar à luz, e ele (o Evangelista) agiu assim para que tivéssemos a certeza de que ela - de quem José se absteve enquanto havia lugar para dúvidas sobre a importância da visão - não foi conhecida depois de seu parto.

CAPÍTULO VIII
 
Em resumo: o que eu gostaria de saber é por que José teria se privado [de Maria] até o dia de ter ela dado à luz? Helvídio certamente responderia: "Porque ele ouviu o que o anjo disse: 'pois o que nela foi gerado provém do Espírito Santo'". Nós, então, responderíamos a seguir que [José] certamente ouviu o que o [anjo] disse: "José, filho de Davi, não temas em tomar para ti Maria como tua esposa". A razão pela qual ele estava proibido de repudiar sua esposa era porque não achava que ela fosse adúltera. Seria então verdade que o [anjo] ordenara que não tivesse relações sexuais com sua esposa? Não está suficientemente claro que a advertência feita foi para que não se separasse dela? E poderia o homem justo pensar em se aproximar dela tendo ouvido que o Filho de Deus estava em seu ventre? Ótimo! Vamos então acreditar que o mesmo homem que deu tanto crédito a um sonho, não se atreveu a tocar em sua esposa, mesmo depois, quando ele ouviu dos pastores que o anjo do Senhor desceu dos céus e lhes disse: "Não temais! Eis que vos anuncio uma grande alegria, que o será também para todo o povo: nasceu-vos hoje, na cidade de Davi, o Cristo Senhor"; e após, quando a multidão celeste se juntou ao anjo e entoaram: "Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens de boa vontade"; e ainda quando o justo Simeão abraçou a criancinha e exclamou: "Podeis levar agora para ti este teu Servo, Senhor, pois os meus olhos viram a tua salvação, conforme a tua palavra"; e também quando [José] viu a profetisa Ana, os Magos, a Estrela [de Belém], Herodes, os anjos...
Eu diria então: quer Helvídio nos fazer acreditar que José, muito bem inteirado de tamanhas maravilhas, ousaria tocar o templo de Deus, a morada do Espírito Santo, a mãe do seu Senhor? Maria mantinha todos esses eventos "guardados em seu coração". Vocês não podem cair na vergonha de dizer que José desconhecia tudo isso, pois Lucas nos diz: "Seu pai e sua mãe ficavam maravilhados das coisas que diziam a Seu respeito".
E vocês ainda afirmam, arrogantemente, que a leitura dos manuscritos gregos é corrupta, embora seja exatamente isso que todos os escritores gregos fizeram constar em seus livros, e não apenas eles, mas também muitos escritores latinos interpretaram as palavras da mesma forma... E nem precisaremos considerar as variações existentes nas cópias, pois todos os registros existentes, tanto no Antigo quanto no Novo Testamento, se encontram assim desde que foram traduzidos para o Latim; portanto, devemos crer que a água da fonte brota mais pura que a [água] do rio.

Parte III:
Os "irmãos" do Senhor eram primos (parentes);
não irmãos de fato

CAPÍTULO IX
 
Helvídio poderá responder: "O que você diz é, na minha opinião, insignificante. Seus argumentos foram perdidos no tempo e esta discussão demonstra mais astúcia do que verdade. Por que a Escritura não diria como diz de Tamar e Judá: 'E ele a tomou como sua esposa e jamais a conheceu'? Porque Mateus não usou estas palavras se quisesse mesmo expressar esse significado? Ele diz claramente: 'e não a conheceu até que deu à luz a um filho'. Logo, após o parto, certamente a conheceu, pois se privou dela até o momento do parto".

CAPÍTULO X
 
Se vocês são tão contenciosos, deveriam com suas próprias idéias testar o vosso mestre. Vocês não devem permitir que se faça uma separação entre o parto e o intercurso (sexual). Não devem dizer: "Se uma mulher conceber e tiver um menino, será imunda sete dias; assim como nos dias da impureza de suas regras, será imunda. No oitavo dia, circundar-se-á o prepúcio do menino e, durante trinta e três dias, ela ficará ainda purificando-se do seu sangue e não tocará em qualquer coisa sagrada" e outras coisas semelhantes. Devem recordar que se José se aproximasse dela, estaria sujeito à reprovação de Jeremias: "São como cavalos de lançamento bem nutridos, que andam relinchando cada um à mulher do seu próximo".
De outra maneira, como se explicariam as palavras "e não a conheceu até que deu à luz a um filho", se ele ainda deveria aguardar o término do tempo de purificação, pois senão o seu desejo acabaria por sofrer com um período ainda mais longo, de 40 dias? A mãe precisava se purificar da mácula de seu filho recém-nascido de modo que este ficava sob os cuidados da parteira, enquanto o marido apoiava sua esposa enfraquecida. Portanto, é certo que [José e Maria] se casaram, já que o Evangelista não pode ser acusado de ter mentido. Mas Deus nos livre de pensarmos tais coisas a respeito da mãe do Salvador e de um homem justo! Nenhuma parteira assistiu ao nascimento de Jesus; nenhuma mulher se intrometeu ali. Com suas próprias mãos [Maria] envolveu o Menino em pedaços de pano; ela mesma foi mãe e parteira, e, como nos é relatado, "O colocou numa manjedoura, pois não havia nenhum quarto para eles na pousada"; eis a declaração [canônica] que refuta as estórias apócrifas, pois foi Maria mesma que o envolveu em pedaços de pano e o que se sucederia a partir daí torna impossível a maliciosa idéia de Helvídio, uma vez que não havia um local adequado para o ato sexual naquela pousada.

CAPÍTULO XI
 
Darei agora uma resposta mais ampla a respeito das palavras "antes que coabitassem" e "não a conheceu até que deu à luz a um filho". Mas devo observar primeiro que a minha resposta segue a ordem do argumento dele até o terceiro ponto, pois ele dirá que Maria teve outros filhos quando cita a passagem: "E José se dirigiu até a cidade de Davi, para se inscrever com Maria, sua noiva, que estava grávida. Enquanto lá estavam, completaram-se os dias para o parto e ela deu à luz ao seu filho primogênito". Esforça-se, assim, para provar que o termo "primogênito" só pode ser aplicado a uma pessoa que teve outros irmãos e que, no caso, seriam filhos de seus pais.

CAPÍTULO XII
 
Nossa posição é esta: todo filho único é primogênito mas nem todo primogênito é filho único. Por primogênito entendemos não apenas aquele que pode ser sucedido por outros, mas aquele que não teve predecessor. Assim diz o Senhor a Abraão: "Todo aquele que abrir o útero, de toda a carne, será oferecido ao Senhor; tanto de homens como de animais, será teu. Contudo, os primogênitos dos homens deverão ser resgatados; também os primogênitos dos animais impuros resgatarás".
A palavra de Deus define "primogênito" como todo aquele que abriu o útero. Ora, se o título pertence apenas àqueles que têm irmãos mais jovens, então os sacerdotes não poderiam reivindicar o primogênito até que outros sucessores nascessem, pois, caso contrário, isto é, se não houvesse outros partos, seria necessário provar o estado de primogênito e não simplesmente o de filho único.
"E aqueles que devem ser resgatados com um mês de idade, devem ser resgatados , de acordo com tua estimativa por cinco siclos [de moedas], além do siclo do santuário. Mas o primogênito de um boi ou de uma ovelha ou de uma cabra, não deverás resgatar; eles são sagrados". A palavra de Deus me compele a dedicar a Deus o que quer que abra o útero se for o primogênito de animais puros; se de animais impuros, devo resgatá-lo, dando o valor devido ao sacerdote.
Poderia replicar: Por que me sujeitais ao curto espaço de um mês? Por que falais do primogênito, quando não posso dizer que há irmãos que irão nascer? Esperai até que nasça o segundo filho.
Não explico nada ao sacerdote, como se apenas o nascimento do segundo desse ao primeiro que tive a condição de primogênito. Não deveria, ao pé da letra, chamar-me e convencer-me de louco, se em vez de declarar que primogênito é um título devido àquele que rompe o útero, pretendesse restringir essa condição àqueles que após terão irmãos? Então, tomando o caso de João: estamos de acordo que ele foi filho único; eu precisaria saber se ele não foi também filho primogênito, e se não foi absolutamente sujeito à lei. Não há dúvidas quanto a isso.
À toda hora a Escritura assim fala do Salvador: "E quando chegou o dia de sua purificação, de acordo com a lei de Moisés, eles o levaram a Jerusalém para apresentá-lo ao Senhor [como está prescrito na lei do Senhor, todo macho que abre o útero deve ser consagrado ao Senhor] e para oferecer em sacrifício de acordo com o que é prescrito na lei do Senhor, um par de rolinhas ou duas pombas novas". Se esta lei se refere somente aos primogênitos, e esses deveriam ser os primogênitos com irmãos sucessores, ninguém seria obrigado pela lei se não pudesse afirmar que houve sucessores. Mas visto que, como aquele que não tem irmãos mais novos, é sujeito à lei do primogênito, deduzimos que é chamado primogênito aquele que abre o útero da mãe e que não foi precedido por ninguém, e não aquele cujo nascimento foi seguido por outro de irmão mais novo.
Moisés escreve no Êxodo: "E acontecerá ao passar da meia-noite que o Senhor ferirá todos os primogênitos das terras do Egito, desde o primogênito do Faraó que reina em seu trono até os primogênitos dos cativos que estiverem nas prisões; e todos os primogênitos do acampamento". Diga-me: eram os que pereceram pelas mãos do Exterminador somente seus primogênitos, ou alguém mais, ou seja, os filhos únicos? Se somente aqueles que tinham irmãos eram chamados primogênitos, somente os filhos únicos escaparam da morte. E se, de fato, os filhos únicos foram trucidados, isso se opõe à sentença pronunciada, porque nascidos para morrer eram somente os primogênitos. Você deverá ou livrar os filhos únicos da pena, e nesse caso, se tornará ridículo; ou, se concorda que eles foram mortos, ganhamos a questão, embora não tenhamos de lhe agradecer isso, porque os filhos únicos eram também primogênitos.

CAPÍTULO XIII
 
A última proposição de Helvídio era esta, e era o que ele queria demonstrar quando tratou dos primogênitos, afirmando que são citados nos Evangelhos os irmãos de Jesus. Por exemplo: "Ora, sua mãe e seus irmãos permaneciam procurando falar com Ele". E em outro lugar: "Depois disso Ele foi para Cafarnaum, com sua mãe e seus irmãos". E de novo: "Seus irmãos então lhe disseram: 'Parte daqui e vai para a Judéia, porque teus discípulos podem também testemunhar as obras que fazes. Porque ninguém faz nada em segredo, mas procura ser conhecido abertamente. Se realizas tais coisas, manifesta-te ao mundo". E João acrescenta: "Porque mesmo seus irmãos não acreditavam nele".
Também Marcos e Mateus: "E indo à sua própria terra, ensinava em suas sinagogas, tanto que [sua gente] ficava atônita e dizia: 'De onde tirou este homem tal sabedoria e miraculosas obras? Não é o filho do carpinteiro. Não é sua mãe chamada Maria e seus irmãos Tiago, José, Simão e Judas? E suas irmãs não moram conosco?'". Lucas, também, nos Atos dos Apóstolos relata: "Todos aqueles com um só propósito continuaram firmes na oração, com as mulheres e Maria, a mãe de Jesus, e com seus irmãos".
Paulo, o Apóstolo, também uma vez esteve com eles, e testemunha sua precisão histórica: "E cresci pela revelação, mas não vi os outros apóstolos, a não ser Pedro e Tiago, o irmão do Senhor". E de novo, em outro lugar: "Não temos o direito de comer e beber? Não temos o direito de trabalhar com as viúvas, assim como o resto dos Apóstolos, os irmãos do Senhor e Pedro?"
E, por medo, ninguém aceitou o testemunho dos judeus, pois foi de sua boca que ouvimos o nome de Seus irmãos, mas mantivemos que seus conterrâneos ficaram decepcionados com esse mesmo erro a respeito dos irmãos pelo qual [os judeus] passaram a acreditar sobre o pai, Helvídio profere uma dura observação de advertência e grita: "Os mesmos nomes estão repetidos pelos Evangelistas em outro lugar e as mesmas pessoas são ali irmãos do Senhor e filhos de Maria".
Mateus diz: "E muitas mulheres estavam ali (sem dúvida ao pé da cruz do Senhor), observando de alguma distância, e elas tinham seguido Jesus desde a Galiléia, ajudando-o, entre as quais estava Maria Madalena, Maria a mãe de Tiago menor e de José, e Salomé"; e no mesmo lugar, logo depois: "E muitas outras mulheres que subiram com Ele a Jerusalém".
Lucas também diz: "Ali estavam Maria Madalena e Joana, e Maria, a mãe de Tiago, e as outras mulheres com elas".

CAPÍTULO XIV
 
Minha razão para repetir sempre a mesma coisa é para adverti-lo para não fazer uma falsa afirmação, divulgando que eu deixei de lado tais passagens, como propícias a você, e que essa interpretação foi desfigurada e desfeita não pela evidência da Escritura, mas por argumentos evasivos.
"Observe:" - diz ele - "Tiago e José são filhos de Maria, e são as mesmas pessoas que são chamadas irmãos pelos judeus. Note que Maria é a mãe de Tiago o menor e de José. E Tiago é chamado o menor para distingui-lo de Tiago o maior que era filho de Zebedeu, como Marcos afirma em outro lugar; E Maria Madalena e Maria a mãe de José estavam onde ele (=Jesus) fora colocado. E quando passou o Sábado, elas compraram essências para irem ungi-lo". E, como era de se esperar, ele diz: "Quão pobre e ímpia visão temos de Maria, se afirmamos que quando outras mulheres estavam ocupadas com o sepultamento de Jesus, ela, Sua mãe, estava ausente; ou se inventamos alguma outra Maria; e tudo o mais porque o Evangelho de São João testemunha que ela estava ali presente, quando o Senhor, do alto da cruz a recomendou como Sua mãe, agora uma viúva, aos cuidados de João. Ou deveríamos supor que o Evangelista caiu em tamanho erro e nos induziu a tamanho erro, chamando Maria a mãe daqueles que eram conhecidos dos judeus como irmãos de Jesus?"

CAPÍTULO XV
 
Que cegueira, que raivosa loucura o leva à sua própria destruição! Você (Helvídio) diz que a mãe do Senhor estava presente ao pé da cruz; diz que ela foi confiada ao discípulo João por causa de sua viuvez e condição de soledade, como se no ponto de vista de sua própria afirmação, ela não tivesse quatro filhos e numerosas irmãs, com o conforto dos quais ela poderia se apoiar? Você também lhe dá o nome de viúva, que não se encontra na Escritura. E embora cite, a cada momento, o Evangelho, somente as palavras de João lhe desagradam. Você diz, de passagem, que ela estava presente ao pé da cruz porque parece que você não a omitiu de propósito, e contudo [não diz] nenhuma palavra sobre as mulheres que estavam com ela. Poderia perdoá-lo se fosse ignorante, mas vejo que você tem uma razão para suas omissões.
Deixe-me destacar então o que João disse: "Mas estavam de pé junto à cruz de Jesus sua mãe, a irmã de sua mãe, Maria, a esposa de Cléofas, e Maria Madalena".
Não há nenhuma dúvida que existiam dois apóstolos chamados pelos nomes de Tiago: Tiago, o filho de Zebedeu, e Tiago, o filho de Alfeu. Por acaso você tem em vista que o comparativamente desconhecido Tiago o menor, que é chamado nas Escrituras filho de Maria, não contudo de Maria a mãe do Nosso Senhor, era apóstolo ou não ? Se era um apóstolo, devia ser o filho de Alfeu e um crente em Jesus, "porque nem seus irmãos acreditavam n'Ele". Se não era um apóstolo mas um terceiro Tiago (que possa ser, não sei), como poderia ser tido como o irmão do Senhor, e como, sendo um terceiro, poderia ser chamado "menor" para ser destinguido do "maior" , porquanto maior e menor são usados para mostrar relação existente não entre três, mas entre dois? Observe, ainda mais, que o irmão do Senhor é um apóstolo, uma vez que Paulo diz: "Então depois de três dias eu fui a Jerusalém para visitar Pedro e fiquei com ele quinze dias. Mas não vi nenhum outro dos apóstolos, a não ser Tiago, irmão do Senhor". E na mesma Epístola: "E quando eles perceberam a graça que me foi concedida, Tiago, Pedro e João que eram considerados os pilares" etc.
E você não poderá supor que esse Tiago fosse o filho de Zebedeu, bastando para isso ler os Atos dos Apóstolos, onde você encontrará que esse último já tinha sido trucidado por Herodes. A única conclusão é que a Maria que é descrita como a mãe de Tiago o menor era a esposa de Alfeu e irmã de Maria, a mãe do Senhor, aquela que é chamada por João Evangelista "Maria de Cléofas", seja por filiação, seja por parentesco, seja por outra razão.
Mas se você julga que são duas pessoas porque em outro lugar lemos: "Maria a mãe de Tiago menor" e aqui: "Maria de Cléofas", você terá a aprender ainda que era costume na Escritura dar diferentes nomes ao mesmo indivíduo. Raguel, sogro de Moisés, é chamado também de Jetro. Gedeão, sem nenhuma outra razão aparente para a troca, de repente se torna Jerubbaal. Ozias, rei de Judá, tem, como nome alternativo, Azarias. O Monte Tabor é chamado Itabyrium. Igualmente, o Hermon é chamado pelos fenícios Sanior, e pelos amorreus Sanir. O mesmo pedaço do país é conhecido por três nomes: Negebb, Teman e Darom, em Ezequiel. Pedro é também chamado Simão e Cefas. Judas, o zelote, em outro Evangelho é chamado Tadeu. Há numerosos outros exemplos que o leitor pode por si mesmo colecionar, em toda a Escritura.

CAPÍTULO XVI
 
Agora aqui temos a explicação do que eu me esforcei por mostrar, como foi que os filhos de Maria, a irmã da mãe de Nosso Senhor, que anteriormente eram tidos por não crentes, e que depois passaram a acreditar, podem ser chamados irmãos do Senhor. Possivelmente, o caso foi que um dos irmãos acreditou imediatamente enquanto os outros não acreditaram senão muito depois, e que uma Maria era a mãe de Tiago e José, chamada "Maria de Cléofas", que é a mesma dita esposa de Alfeu, e a outra, a mãe Tiago o menor. De qualquer modo, se ela (esta última) fosse a mãe do Senhor, São João teria lhe concedido seu sublime título, como em todos os demais lugares, e não teria passado uma impressão errônea, chamando-a mãe de outros filhos. Mas neste ponto não desejo argüir a favor ou contra a suposição de que Maria, a esposa de Cléofas, e Maria, a mãe de Tiago e José, eram mulheres diferentes, uma vez que está claramente entendido que Maria, a mãe de Tiago e José não era a mesma pessoa que a mãe do Senhor.
Como, então - pergunta Helvídio - explica você que eram chamados irmãos do Senhor aqueles que não eram seus irmãos?
Mostrarei como.
Na Sagrada Escritura há quatro espécies de irmãos: pela natureza, pela raça, pelo parentesco e pelo amor.
Exemplos de irmãos pela natureza foram Esaú e Jacó, os doze patriarcas, André e Pedro, Tiago e João.
Irmãos de raça, eram todos os judeus que assim se chamavam um ao outro, como no Deuteronômio: "Se teu irmão, um homem hebreu, ou uma mulher hebréia, te for vendida, ele servirá por seis anos; então, no sétimo ano, deixarás que ele se vá livre". E antes, no mesmo livro: "Deverás de qualquer maneira fazê-lo teu rei aquele que o Senhor teu Deus escolher: um dentre teus irmãos deverá ser feito teu rei; não porás um estrangeiro acima de ti, que não é teu irmão". E de novo: "Não deverás ver o boi ou a ovelha de teu irmão se extraviar e ficares omisso; deverás com segurança levá-los de novo para teu irmão. E se teu irmão não morar perto de ti, ou se não o conheces, então deves trazê-los para tua casa, e ficarão contigo até que teu irmão venha procurá-los, e tu deves devolvê-los a ele de volta". E o Apóstolo Paulo diz: "Desejaria eu mesmo ser reprovado por Cristo pela salvação de meus irmãos, meus próximos pela carne, que são os israelitas".
E ainda mais: são chamados irmãos por parentesco aqueles que são de uma família, que é pátrio, que corresponde à palavra latina "paternidade", porque de uma única raiz procede uma numerosa progênie. No Gênese, lemos: "E Abraão disse a Lot: 'Que não haja luta, eu te peço, entre mim e ti, e entre meus pastores e os teus, porque somos irmãos'". E de novo: "Assim Lot escolheu para si toda a planície do Jordão, e se direcionou para leste. E eles se separaram, um irmão do outro". Certamente Lot não era irmão de Abraão, mas o filho do irmão Aram de Abraão. Porque Terah gerou Abraão, Nahor e Arão. E Arão gerou Lot. De novo, lemos: "E Abraão tinha setenta e cinco anos quando partiu de Haram. E Abraão levou Sarai sua esposa, e Lot, filho de seu irmão".
Mas se você (Helvídio) ainda duvida que um sobrinho possa ser chamado filho, permita-me dar-lhe um outro exemplo: "E quando Abraão ouviu que seu irmão fora feito escravo, tomou seus experimentados homens, nascidos em sua casa, trezentos e dezoito". E depois de descrever o ataque e o massacre noturno ele acrescenta: "E trouxe de volta todos os bens, assim como seu irmão Lot". Que isso seja suficiente como prova de minha afirmação. Mas por medo, você pode levantar alguma objeção cavilosa, e se contorcer em seu aperto como uma cobra; assim devo imobilizá-lo rapidamente com as garantias de provas para fazê-lo parar de sibilar e murmurar, porque sei que você gostaria de dizer que está baseado não tanto na verdade da Escritura mas em complicados argumentos.
Jacó, o filho de Isaac e Rebeca, quando por medo da perfídia de seu irmão tinha ido para a Mesopotâmia, retirou-se para perto [de Labão], rolou a pedra da tampa do poço e bebeu da fonte de Labão, irmão de sua mãe. "E Jacó beijou Raquel, ergueu sua voz e chorou. E Jacó disse a Raquel que ele era irmão de seu pai, que era filho de Rebeca". Aqui está um exemplo da regra já referida, pela qual um sobrinho é chamado de irmão. E mais: "Labão disse a Jacó: 'Porque tu és meu irmão, poderias doravante trabalhar para mim sem pagamento? Diga-me qual o teu propósito'". E assim, quando ao fim de 12 anos, sem conhecimento de seu tio e acompanhado por suas esposas e filhos estava retornando para sua terra, quando Labão os alcançou na montanha de Gilead e não conseguiu encontrar os ídolos que Raquel escondera em sua bagagem, Jacó fez uma pergunta a Labão: "Qual é minha transgressão? Qual é meu pecado, para que tu me venhas tão irado e me persigas? Procuraste tudo em minhas bagagens! O que encontraste em todos meus utensílios? Digas aqui, irmãos perante irmãos, para que eles julguem a nós dois".
Diga-me [Helvídio] quem são esses irmãos de Jacó e Labão que estão aqui presentes? Esaú, irmão de Jacó, certamente não estava lá, e Labão, o filho de Bethuel, não tinha irmãos, embora tivesse uma irmã, Rebeca.

CAPÍTULO XVII
 
Inumeráveis exemplos da mesma espécie podem ser vistos nos Livros Sagrados.
Mas, para abreviar, volto à última das quatro espécies de irmãos, aqueles, esclareço, que são irmãos por afeição, e estes novamente são de duas espécies: aqueles por um relacionamento espiritual e aqueles por um relacionamento geral. Digo espiritual porque todos nós cristãos somos chamados irmãos, como no verso: "Veja como é bom e agradável para os irmãos viverem juntos na unidade". E em outro Salmo, o Salvador diz: "Eu enumerarei teu nome entre meus irmãos". E , em outro lugar: "Vá a meus irmãos e dize-lhes..."
Eu disse - por relacionamento geral - porque nós somos todos filhos de um mesmo Pai, há como um penhor de irmandade entre nós todos. "Dizei àqueles que vos odiarem:" - diz o profeta - "vós sois nossos irmãos". E o Apóstolo escrevendo aos Coríntios: "Se algum homem que é chamado irmão for um fornicador, ou avarento, ou idólatra, ou caluniador, ou beberrão, ou autor de extorsões, com alguém assim, não se deve comer".
Agora eu pergunto à que classe você considera que devem pertencer os irmãos do Senhor, no Evangelho. Eles são irmãos por natureza, você responde. Mas a Escritura não diz isso. Não os chama nem filhos de Maria, nem de José. Poderíamos dizer que eles eram irmãos pela raça? No entanto, seria absurdo supor que uns poucos judeus fossem chamados irmãos quando todos os judeus daquele tempo poderiam, a esse título, reivindicar o nome. Eram eles irmãos pela virtude de intimidade estreita e de união de coração e pensamento? Se eram assim, quais eram exatamente seus irmãos mais do que os apóstolos que receberam sua instrução privada e eram chamados por Ele Sua mãe e Seus irmãos? Novamente, se todos os homens, como visto, eram seus irmãos, seria loucura dar uma mensagem especial: "Vede, seus irmãos o procuram" porque todos os homens semelhantemente mereceriam esse nome.
A única alternativa é adotar a explicação anterior e considerar que são chamados irmãos em virtude do vínculo de parentesco, não de amor e simpatia, nem por prerrogativa de raça, nem pela natureza. Exatamente como Lot foi chamado irmão de Abraão, e Jacó, de Labão, exatamente como as filhas de Zelophehad receberam um lote entre seus irmãos, exatamente como o próprio Abraão tinha a esposa Sarai por sua irmã, porque ele diz: "Ela é de fato minha irmã, por lado de pai, não pelo lado da mãe" o que quer dizer, ela era filha de seu irmão e não de sua irmã. De outro modo, o que diremos de Abraão, um homem justo, falando que a esposa era filha de seu próprio pai?
A Escritura, relatando a história dos homens nos tempos primitivos, não ultraja nossos ouvidos falando da amplitude em termos expressos, mas prefere deixá-la ser inferida pelo leitor. Deus mais tarde aplicou a sanção de lei à proibição, estabelecendo: "Quem toma sua irmã, filha de seu pai, ou de sua mãe, e mostra sua nudez, comete abominação, deverá ser morto. Aquele que descobre a nudez de sua irmã, deverá pagar seu pecado".

CAPÍTULO XVIII
 
Há coisa que, em sua extrema ignorância, você nunca leu e, portanto, você negligenciou toda a imensidade da Escritura e usou sua maldade para ultrajar a Virgem, como o homem da história que sendo desconhecido de todo mundo e achando que poderia tramar um mau ato pelo qual ganhasse renome, incendiou o templo de Diana; e quando ninguém revelou o ato sacrílego, diz-se que ele próprio apareceu e se proclamou como aquele que nele pusera fogo. Os administradores de Éfeso ficaram curiosos em saber o que o levara a agir de tal modo, quando então ele respondeu que se não tinha fama por boas obras, todos poderiam lhe dar crédito por uma má. A história grega relata o incidente.
Mas você fez pior. Você pôs fogo no templo do corpo do Senhor, você aviltou o santuário do Espírito Santo, do qual se propôs a fazer gerar um grupo de quatro irmãos e uma porção de irmãs. Numa palavra, juntando-se ao coro dos judeus, você diz: "Não é este o filho do carpinteiro Não é sua mãe chamada Maria? E seus irmãos Tiago, José, Simão e Judas? E suas irmãs não moram todas conosco?". A palavra "todas" não seria usada se não houvesse um grande número delas. Rogo-te: diga-me quem, antes de você surgir, tinha conhecimento desta blasfêmia? Quem imaginou essa teoria digna de dois centavos? Você obteve seu propósito e se tornou notório por um crime. Pois eu mesmo que sou seu oponente, embora vivamos na mesma cidade, eu não o conheço como o autor disso, não sei se você é branco ou negro.
Omito as faltas de dicção que abundam em todos os livros que escreveu. Não digo nada sobre sua introdução absurda. Bons céus! Eu não procuro eloqüência, embora você mesmo não a tenha; você contou para isso com a ajuda de seu irmão, Cratério. Eu não procuro graça e estilo, mas busco pureza de alma, porque entre cristãos é o maior dos solecismos e dos vícios de estilo fundamentar algo na palavra ou ação. Chego à conclusão de meu argumento. Concordarei com você em que eu não ganhei nada; e você se encontrará num dilema.
É claro que os irmãos de Nosso Senhor usaram o nome da mesma maneira como José era chamado seu pai: "Eu e teu pai te procurávamos preocupados"; foi Sua mãe que disse isso, não os judeus. O Evangelista relata que Seu pai e Sua mãe ficaram admirados com as coisas que se falavam a Seu respeito, e há uma passagem semelhante, que já citamos, na qual José e Maria são chamados Seus pais. Sabendo que você tem sido louco o bastante para se persuadir que os manuscritos gregos estão corrompidos, agora você talvez alegue a diversidade de interpretações.
Então procuro o Evangelho de João e ali está claramente escrito: "Filipe encontrou Natanael, e lhe disse, nós encontramos aquele de quem Moisés na lei, e os profetas escreveram, Jesus de Nazaré, o filho de José". Você encontrará certamente isso em seu manuscrito. Agora me diga: como Jesus é filho de José quando está claro que Ele fora gerado pelo Espírito Santo? Era José seu verdadeiro pai? Obtuso como você é, não se aventurará a dizer isso. Era seu suposto pai? Se era, que a mesma regra que você aplica a José, seja aplicada àqueles que eram chamados irmãos, assim como você chama José de pai.

Parte IV:
O estado virginal é superior ao estado matrimonial

CAPÍTULO XIX
 
Agora que ultrapassei as pedras e encolhos, devo me por ao largo e ir a toda velocidade para chegar ao destino. Você, se sentindo uma pessoa sem conhecimentos, usou Tertuliano como sua testemunha e citou as palavras de Vitorino, bispo de Perávio. De Tertuliano não direi senão que não pertenceu à Igreja. Mas com respeito a Vitorino, afirmo que já ficou provado pelo Evangelho - que ele falou dos irmãos de Nosso Senhor não como sendo filhos de Maria, mas irmãos no sentido que expliquei, ou seja, irmãos sob o ponto de vista de parentesco, não de natureza.
Estamos, contudo, desperdiçando nosso percurso com ninharias e deixando a fonte da verdade, estamos seguindo insignificantes pontos de opinião. Não deveríamos arrolar contra você toda a série de escritores antigos? Inácio, Policarpo, Irineu, Justino Mártir e muitos outros homens apostólicos e eloqüentes, que expuseram as mesmas explicações contra Ebião, Theodoto de Bizâncio e Valentino, escreveram volumes repletos de conhecimentos. Se você alguma vez lesse o que eles escreveram, você se tornaria um homem sábio. Mas eu penso que é melhor refutar brevemente cada ponto do que prolongar meu livro por uma extensão indevida.

CAPÍTULO XX
 
Agora dirijo meu ataque contra a passagem na qual, desejando mostrar seu talento você faz uma comparação entre virgindade e casamento. Eu não poderia deixar de rir, e penso no provérbio: viu você alguma vez uma dança cautelosa?
Você pergunta: "São as virgens melhores do que Abraão, Isaac e Jacó, que foram casados? Não são as crianças diariamente moldadas pelas mãos de Deus no útero de suas mães? E se assim é, somos constrangidos a nos ruborizarmos pelo pensamento de Maria tendo um marido depois do parto? Se julgam que há alguma desgraça nisto, não deviam coerentemente acreditar que Deus nasceu da Virgem por parto normal. Porque de acordo com esses, há mais desonra numa virgem dando à luz a Deus pelos órgãos geradores, do que numa virgem que se juntou a seu próprio esposo depois que deu à luz".
Acrescente, se quiser, Helvídio, as outras humilhações da natureza, o útero de nove meses se tornando cada vez maior, a doença, o parto, o sangue, os cueiros. Imagine você mesmo o menino envolto na placenta. Imagine a dura manjedoura, o choro do menino, a circuncisão no oitavo dia, o tempo de purificação, de modo que possa ficar comprovado que tudo era impuro. Não enrubescemos, você não nos impõe silêncio. Maior humilhação Ele sofreu por mim, a maior que o atingiu. E quando você tiver dado todos os detalhes, não estará apto a apontar nada mais vergonhoso do que a cruz que confessamos, na qual acreditamos e pela qual triunfamos sobre todos nossos inimigos.

CAPÍTULO XXI
 
Mas como não negamos o que está escrito, assim também rejeitamos o que não está escrito. Acreditamos que Deus nasceu de uma Virgem, porque lemos assim. Não acreditamos que Maria teve união marital depois que deu à luz porque não lemos isso. Nem afirmamos tal para condenar o casamento, porque a virgindade é o fruto do casamento; mas porque quando estamos tratando de santos não devemos julgar apressadamente. Pois se adotássemos a possibilidade como padrão de julgamento, poderíamos sustentar que José teve várias esposas porque Abraão teve, e também Jacó, e que aqueles que eram irmãos do Senhor nasceram daquelas esposas, uma criação imaginária que alguns sustentam com uma temeridade que nasce da audácia e da piedade.
Você diz que Maria não continuou virgem. Eu brado ainda mais que José, ele mesmo, aceitou que Maria era virgem, de modo que de um casamento virgem nasceu um filho virgem. Porque se, como um homem santo, ele não se apresentou com a acusação de fornicação, e está escrito que ele não teve outra esposa, mas foi o guardião de Maria, aquela que foi tida por sua esposa mas não ele por seu marido; a conclusão é que aquele que foi julgado digno de ser chamado pai do Senhor, permaneceu casto.

CAPÍTULO XXII
 
E agora que vou fazer uma comparação entre virgindade e casamento, rogo a meus leitores para não suporem que louvando a virgindade, tenho em menor grau o casamento, e discrimino os santos do Antigo Testamento com relação àqueles do Novo, isto é, aqueles que tinham esposas daqueles que se mantiveram livres dos laços de mulheres; antes, penso que de acordo com a diferença de tempo e circunstâncias, uma regra foi aplicada aos primeiros, uma outra a nós, sobre quem sobrevirá o fim do mundo.
Tanto que continua vigorando a lei : "Sede férteis e multiplicai-vos e povoai a terra"; e: "Amaldiçoada é a mulher estéril que não gerou semente em Israel"; elas todas que casaram e foram dadas em matrimônio, deixaram pai e mãe, e se tornaram uma só carne.
Mas de repente com a força do trovão se fizeram ouvir essas palavras: "O tempo está se acabando, em que doravante aqueles que têm esposas sejam como se não tivessem"; aderindo ao Senhor, nós somos feitos um espírito com Ele. E por quê?
Porque "aquele que é solteiro está preocupado com as coisas do Senhor, de modo que poderá agradar ao Senhor; mas aquele que é casado está preocupado com as coisas do mundo, do modo como agradará a sua esposa. E aqui está a diferença também entre a esposa e a virgem. Aquela que é solteira está preocupada com as coisas do Senhor, porque será santa tanto no corpo como no espírito; mas aquela que é casada, está preocupada com as coisas do mundo, do modo como agradará a seu marido".
Por que você sofisma? Por que resiste? O vaso de eleição disse isso. Disse-nos que há uma diferença entre a esposa e a virgem. Observe qual deva ser a felicidade daquele estado no qual mesmo a distinção de sexo desaparece. A virgem não é mais chamada mulher. "Aquela que é solteira está preocupada com as coisas do Senhor, de modo que é santa no corpo e no espírito".
A virgem é definida como aquela que é santa no corpo e no espírito, porque não é bom ter uma carne virgem se a mulher se põe casada no espírito. "Mas aquela que é casada está preocupada com as coisas do mundo, do modo como agradará a seu marido". Julga você que não há diferença entre uma que gasta seu tempo em oração e jejuns daquela que se sente impelida, ao aproximar-se seu marido, a arranjar sua aparência, andar com passos afetados, e demonstrar atos de carinho?
O objetivo da virgem é aparecer menos faceira; ela quer se guardar de modo a esconder suas atrações naturais. A mulher casada tem seu pincel preparado ante seu espelho, e em desacordo com seu Criador, esforça-se para adquirir algo mais do que sua beleza natural. Então lhe chegam as conversas de seus filhos, o barulho da casa, as crianças buscando sua palavra e pedindo seus beijos, a lista das despesas, o cuidado para acertar as despesas. De um lado você a vê na companhia dos cozidos, cercada de gritos e preparando o alimento; você ali ouve o barulho de uma multidão de fiandeiras. Enquanto isso, chega uma mensagem que o marido e seus amigos estão chegando. A esposa, como uma andorinha, voa por toda a casa. Ela deve cuidar de todas as coisas. Está o sofá arrumado? Está o piso varrido? Estão as flores nas jarras? E o jantar está pronto?
Diga-me, rogo-lhe, onde entre tudo isso há lugar para pensar em Deus? São essas casas tranqüilas? Onde há as batidas do tambor, o barulho e a algazarra do órgão e do alaúde, o tinir dos címbalos, pode se encontrar alguma preocupação com o temor de Deus? O parasita é repreendido e se sente orgulhoso da honra. Entram depois as vítimas meio despreparadas para as paixões, uma referência para todo olhar lúbrico. A infeliz esposa ou deve achar prazer neles e perecer, ou ficar desgostosa e provocar seu marido. Disso surge a discórdia, a semente conspiratória do divórcio.
Ou suponha que você encontre uma casa onde essas coisas são desconhecidas, o que acontece em pequena proporção! Contudo, mesmo ali, o desempenho do dono da casa, a educação das crianças, as necessidades do marido, a correção dos servos, não falham em afastar a mente do pensamento de Deus. "Deixou de ficar com Sara como se fica com as mulheres" - assim diz a Escritura, e mais tarde Abraão recebeu a ordem: "Presta atenção em tudo o que Sara te disser". [Porque] ela não está tomada de ansiedades e dor de parto e, tendo passado pela mudança de vida [sexual], deixou de exercer as funções de uma mulher, estando liberta do esquecimento de Deus; não tem desejo por seu marido, mas, pelo contrário, seu marido se torna sujeita a ela, e a voz do Senhor lhe ordena: "Presta atenção em tudo o que Sara te disser". Então, começam a ter tempo para rezar. Porque enquanto demorou a ser pago o dever do matrimônio, a determinação de rezar foi negligenciada.

CAPÍTULO XXIII
 
Não nego que se encontram mulheres santas entre as viúvas e aquelas que têm marido; mas se tornam santas logo que deixam de ser esposas, ou se no estrito dever do matrimônio imitam a castidade virginal. O Apóstolo, como se Cristo falasse por sua boca, brevemente deu testemunha disso quando disse: "Aquela que é solteira está preocupada com as coisas do Senhor, como poderá agradar ao Senhor; mas aquela que é casada está preocupada com as coisas do mundo, como poderá agradar a seu marido".
Ele nos deixa ao livre exercício de nossa razão a esse respeito. Não determina obrigação a ninguém nem induz alguém em cilada; somente persuade àquilo que é próprio quando deseja que todos os homens sejam como ele mesmo. Não emitiu, é verdade, um mandamento do Senhor a favor da virgindade, porque essa graça sobrepuja o poder do homem desassistido, e seria usar um ar de imodéstia forçar os homens a se porem a voar em face de sua natureza, e dizer em outras palavras: "Quero que você seja como são os anjos do céu". É essa angélica pureza que assegura à virgindade a mais alta recompensa, e o Apóstolo poderia parecer desprezar um sistema de vida que não é culposo.
Não obstante, no contexto a seguir diz: "Mas presto meu julgamento como alguém que obteve misericórdia do Senhor para ficar fiel. Penso, portanto, que isso é bom em razão da atual aflição, ou seja, que é bom para um homem ser como ele é". O que quer dizer com "a atual aflição"?
"Haverá aflição para aqueles que tiverem crianças e para aquelas que amamentarem naqueles dias!" A razão por que a madeira cresce é que poderá ser cortada. O campo é semeado porque poderá ser segado. O mundo está já repleto, e a população está demasiado grande para a terra. A cada dia somos dizimados pela guerra, levados pelas doenças, tragados pelos naufrágios, embora continuemos a levar alguém a juízo por causa dos muros de nossa propriedade.
É somente uma adição à regra geral que é feita por aqueles que seguem o Cordeiro, e que não desvestiram seus ornamentos, que continuam em seu estado de virgindade. Preste atenção ao significado de desvestir. Eu não me aventuro a explicá-lo, por medo de que Helvídio possa se tornar abusivo.
Concordo com você, quando diz que algumas virgens não são senão mulheres de taverna; digo ainda mais, que mesmo o pecado do adultério pode ser encontrado entre elas, e você ficará sem dúvida mais surpreso de ouvir que alguns do clero são taberneiros e alguns monges não são castos. Quem não entende logo que uma mulher de taverna não persistirá virgem, nem adúltero um monge, nem taberneiro um clérigo? Exigiremos virgindade se a virgindade corrompida é um pecado?
De minha parte, me omitindo das outras pessoas, e tratando dos castos, afirmo que aquela que trabalha como vendeira, embora sem provas, poderá ser virgem no corpo, porém não mais será casta em espírito.

Parte V: Conclusão

CAPÍTULO XXIV
 
Eu me tornei retórico e agi um pouco como orador de plataforma. A isso me levou você, Helvídio; porque, da forma lúcida como brilha o Evangelho atualmente, você quer que se dê uma glória igual à virgindade e ao estado matrimonial. E porque penso que, sentindo a verdade muito forte, você virá aviltar minha vida e abusar de meu caráter (este é o modo das mulheres fracas cochicharem nos cantos quando são repreendidas por seus senhores), vou me antecipando a você:
- Asseguro que darei atenção às suas injúrias como a uma elevada distinção, uma vez que os mesmos lábios que me atacam aviltaram Maria, e eu - um servo do Senhor - sou favorecido com a mesma brava eloqüência de Sua mãe.

Final do Tratado do celebre São Jerônimo (A Virgindade Perpétua de Maria)



GRANDES HERESIAS Por: Gercione Lima


Desde o princípio da Cristandade, a Igreja sempre se confrontou e combateu os falsos ensinamentos ou heresias.
          Hoje em dia basta darmos uma olhada no catálogo telefônico para encontrarmos em qualquer cidade do mundo, uma denominação religiosa que nos diga exatamente aquilo que queremos ouvir. Algumas ensinam que Jesus não é Deus, ou que Ele é a única pessoa da Trindade, ou que existem muitos deuses (três dos quais são o Pai, o Filho e o Espírito Santo) ou que nós podemos nos tornar "deuses", ou que uma pessoa uma vez salva, jamais poderá perder sua salvação, ou que não existe inferno, ou que o homossexualismo é apenas mais uma expressão da sexualidade humana, portanto um estilo de vida aceitável para um cristão, ou qualquer outro tipo de ensinamento.
        A Bíblia nos advertiu que isso ocorreria. O Apóstolo Paulo avisou ao seu aluno Timóteo:  

        "Porque virá o tempo em que os homens já não suportarão a sã doutrina da salvação. Levados pelas suas próprias paixões e pelo prurido de escutar novidades, ajustarão mestres para si. Apartarão os ouvidos da verdade e se atirarão às fábulas".(2Tim. 4,3-4).
 
» O QUE É HERESIA?
 
Antes de darmos uma olhada nas grandes heresias da história da Igreja, cumpre-nos dar algumas palavras sobre a natureza da heresia. Isso é muito importante já que o termo em si carrega um forte peso emocional e frequentemente é mal utilizado. Heresia não significa o mesmo que incredulidade, cisma, apostasia ou qualquer outro pecado contra a fé. O Catecismo da Igreja Católica define a heresia do seguinte modo:

"Incredulidade é negligenciar uma verdade revelada ou a voluntária recusa em dar assentimento de fé a uma verdade revelada. Heresia é a negação após o batismo de algumas verdades que devem ser acreditadas com fé divina e Católica, ou igualmente uma obstinada dúvida com relação às mesmas; apostasia é o total repúdio da fé cristã; cisma é o ato de recusar-se a submeter-se ao Romano Pontífice ou à comunhão com os membros da Igreja sujeitos a ele" (CCC 2089).

      Para ser culpado de heresia, uma pessoa deve estar obstinada (incorrigível) no erro. Uma pessoa que está aberta à correção ou que simplesmente não tem consciência de que o que ela está dizendo é contrário ao ensinamento da Igreja, não pode ser considerada como herética.
     A dúvida ou negação envolvida na heresia deve ser pós-batismal. Para ser acusado de heresia, uma pessoa deve ser antes de tudo um batizado. Isso significa que aqueles movimentos que surgiram da divisão do Cristianismo ou que foram influenciados por ele, mas que não administram o batismo ou que não batizam validamente, não podem ser considerados heresias mas apenas religiões separadas (exemplos incluem Muçulmanos que não possuem batismos e Testemunhas de Jeová que não batizam validamente).
    E, finalmente, a dúvida ou negação envolvidos na heresia devem estar relacionados a uma matéria que deve ser crida com "fé Católica e divina" - em outras palavras, alguma coisa que tenha sido definida solenemente pela Igreja como verdade divinamente revelada (por exemplo, a Santíssima Trindade, a Encarnação, a Presença Real de Cristo na Eucaristia, o Sacrifício da Missa, a Infalibilidade Papal, a Imaculada Conceição e Assunção de Nossa Senhora).
       É especialmente importante saber distinguir heresia de cisma e apostasia. No cisma, uma pessoa ou grupo se separa da Igreja Católica sem repudiar nenhuma doutrina definida. Já na apostasia, uma pessoa repudia totalmente a fé cristã e não mais se considera cristã.
·        É interessante notar como, de uma forma ou outra, a imensa maioria destas heresias permanece...
Esclarecidas as diferenças, vamos dar uma conferida nas maiores heresias da história da Igreja e quando elas começaram:
 
» Os Judaizantes (Séc. I)
A heresia Judaizante pode ser resumida pelas seguintes palavras dos Atos dos Apóstolos 15,1: "Alguns homens, descendo da Judéia, puseram-se a ensinar aos irmãos o seguinte: 'Se não vos circuncidais segundo o rito de Moisés, não podeis ser salvos'".
Muitos dos primeiros Cristãos eram Judeus, e esses trouxeram para a Fé cristã muitas de suas práticas e observâncias judaicas. Eles reconheciam em Jesus Cristo o Messias anunciado pelos profetas e o cumprimento do Antigo Testamento, mas uma vez que a circuncisão era obrigatória no Antigo Testamento para a participação na Aliança com Deus, muitos pensavam que ela era também necessária para a participação na Nova Aliança que Cristo veio inaugurar. Portanto eles acreditavam que era necessário ser circuncidado e guardar os preceitos mosaicos para se tornar um verdadeiro cristão. Em outras palavras, uma pessoa deveria se tornar judeu para poder se tornar cristão.
·        Uma forma "light" desta heresia é a dos Adventistas de Sétimo Dia e outras seitas sabatistas.
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» Gnosticismo (Sécs. I e II)
     "A matéria é má!" - Esse é o lema dos Gnósticos. Essa foi uma idéia que eles "tomaram emprestado" de alguns filósofos gregos e isso vai contra o ensinamento Católico, não apenas porque contradiz Gênesis 1,31: "Deus contemplou toda a sua obra, e viu que tudo era muito bom", bem como outras partes da Sagrada Escritura, mas porque nega a própria Encarnação. Se a matéria é má, então Jesus não poderia ser verdadeiro Deus e verdadeiro homem, pois em Cristo não existe nada que seja mau. Assim muitos gnósticos negavam a Encarnação alegando que Cristo apenas "parecia" como homem, mas essa sua humanidade era apenas ilusória.
     Alguns Gnósticos, reconhecendo que o Antigo Testamento ensina que Deus criou a matéria, alegavam que o Deus dos Judeus era uma divindade maligna bem diferente do Deus de Jesus Cristo, do Novo Testamento. Eles também propunham a crença em muitos seres divinos, conhecidos como "aeons" que servem de mediadores entre o homem e um inatingível Deus. O mais baixo de todos esses "aeons" que estava em contato direto com os homens teria sido Jesus Cristo.
·        Esta heresia permanece de maneira quase igual na chamada "Nova Era". Em outras formas, aliás, ela não deixa de ser a heresia de base de muitas outras, como o protestantismo (com sua negação dos Sacramentos e da Maternidade Divina da Santíssima Virgem, decorrentes de uma visão gnóstica segundo a qual a religião verdadeira é puramente espiritual: Igreja invisível, sem meios visíveis de transmissão de graça etc.).
» Montanismo (final do Séc. II)
Montanus iniciou inocentemente sua carreira pregando um retorno à penitência e ao fervor. Todavia ele alegava que seus ensinamentos estavam acima dos ensinamentos da Igreja porque ele era diretamente inspirado pelo Espírito Santo. Logo, logo ele começou a ensinar sobre uma eminente volta de Cristo em sua cidade natal na Frígia. Seu movimento enfatizava sobretudo a continuidade dos dons extraordinários como falar em línguas e profecias.
·        Montano afirmava que a Igreja não tinha capacidade de perdoar pecados mortais. Esta heresia, de uma certa forma, está presente em muitas seitas atuais, cuja rigidez de costumes traz esta idéia no fundo. Um exemplo seria a "Assembléia de Deus", ou até a seita suicida africana.
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» Sabelianismo (Princípio do Séc. III)
Os Sabelianistas ensinavam que Jesus Cristo e Deus Pai não eram pessoas distintas, mas simplesmente dois aspectos ou operações de uma única pessoa. De acordo com eles, as três pessoas da Trindade existem apenas em referência ao relacionamento de Deus com o homem, mas não como uma realidade objetiva.
·        Esta visão também está presente em muitos movimentos "ecumênicos" protestantes atuais, especialmente entre as seitas mais antigas. Nosso Senhor para eles dissolve-se em uma vaga "divindade".
 
» Arianismo (Séc. IV)
   Uma das maiores heresias que a Igreja teve que confrontar foi o Arianismo. Arius ensinava que Cristo não era Deus e sim uma criatura feita por Deus. Ao disfarçar sua heresia usando uma terminologia ortodoxa ou semi-ortodoxa, ele foi capaz de semear grande confusão na Igreja, conquistando o apoio de muitos Bispos e a rejeição de alguns. O Arianismo foi solenemente condenado no ano 325 pelo Primeiro Concílio de Nicéia, o qual definiu a divindade de Cristo e no ano 381 pelo Primeiro Concílio de Constantinopla, o qual definiu a divindade do Espírito Santo. Esses dois Concílios deram origem ao Credo Niceno que os Católicos recitam nas Missas Dominicais.
 
·        Os "Testemunhas de Jeová" têm esta crença, assim como os Unitarianos.
 
» Pelagianismo (Séc. V)
  Pelagius, um monge gaulês deu início a essa heresia que carrega seu nome. Ele negava que nós herdamos o pecado de Adão e alegava que nos tornamos pessoalmente pecadores apenas porque nascemos em solidariedade com uma comunidade pecadora a qual nos dá maus exemplos. Da mesma forma, ele negava que herdamos a santidade ou justiça como resultado da morte de Cristo na cruz e dizia que nos tornamos pessoalmente justos através da instrução e imitação da comunidade cristã, seguindo o exemplo de Cristo.
Pelagius declarava que o homem nasce moralmente neutro e pode chegar ao céu por seus próprios esforços. De acordo com ele, a graça de Deus não é verdadeiramente necessária, mas apenas facilita uma difícil tarefa.
·        É uma visão que ainda hoje encontramos na Teologia da Libertação, por exemplo: o que importa é o esforço do homem, a graça de Deus é bem vinda mas não é necessária, etc. É por isso que os TL dão tanto valor à "auto-estima", nome chique para o pecado do Orgulho: para eles é importante amar A SI sobre todas as coisas, pois a salvação (ou a utopia socialista, no caso...) viria apenas através do esforço do homem.
 
» Nestorianismo (Séc. V)
   Essa heresia sobre a pessoa de Cristo foi iniciada por Nestorius, bispo de Constantinopla que negava a Maria o título de Theotokos (literalmente "Mãe de Deus"). Nestorius alegava que Maria deu origem apenas à pessoa humana de Cristo em seu útero e chegou a propor como alternativa o título Christotokos ("Mãe de Cristo").
Os teólogos Católicos ortodoxos imediatamente reconheceram que a teoria de Nestorius dividia Cristo em duas pessoas distintas (uma humana e outra divina, unidos por uma espécie de "elo perdido"), sendo que apenas uma estava no útero de Maria. A Igreja reagiu no ano 431 com o Concílio de Éfeso, definindo que Maria realmente é Mãe de Deus, não no sentido de que ela seja anterior a Deus ou seja a fonte de Deus, mas no sentido de que a Pessoa que ela carregou em seu útero era de fato o Deus Encarnado.
·        Creio que todo mundo já identificou o protestantismo pentecostal neste heresia, não? Bom, isso na verdade é, no protestantismo, apenas uma maneira a mais de menosprezar a Encarnação. Note-se que S. João escreveu seu Evangelho em resposta aos gnósticos, e fez questão de comecá-lo pela Encarnação. Isto ocorre porque a base gnóstica do protestantismo (e tbm, de uma certa maneira, do nestorianismo) recusa-se a admitir que Nosso Senhor tenha realmente assumido a nossa natureza. É por isso, por exemplo, que Lutero afirmava que o pecado do homem não é jamais apagado, mas apenas encoberto por Deus. Para ele, Nosso Senhor mentiria, afirmando que o homem não tem pecado, para que ele entre no Céu. É mais fácil para um gnóstico crer em um deus que minta que em um Deus que se faz verdadeiramente homem, com mãe e tudo.
 
» Monofisismo (Séc. V)
   O Monofisismo originou-se como uma reação ao Nestorianismo. Os monofisistas (liderados por um homem chamado Eutyches) ficaram horrorizados pela implicação Nestoriana de que Cristo era duas pessoas com duas diferentes naturezas (divina e humana). Então eles partiram para o outro extremo alegando que Cristo era uma pessoa com uma só natureza (uma fusão de elementos divinos e humanos). Portanto eles passaram a ser reconhecidos como Monofisistas devido à sua alegação de que Cristo possuía apenas uma natureza (Grego: mono= um; physis= natureza).
Os teólogos Católicos ortodoxos imediatamente reconheceram que o Monofisismo era tão pernicioso quanto o Nestorianismo porque esse negava tanto a completa humanidade como a completa divindade de Cristo. Se Cristo não possuia a natureza humana em sua plenitude então Ele não poderia ser verdadeiramente homem e se Ele não possuía a natureza divina em plenitude, então Ele também não era verdadeiramente Deus.
 
·        Esta heresia persiste em alguns círculos católicos bem-intencionados, mas errados, que subestimam a importância da natureza humana de Cristo.
 
» Iconoclastas (Sécs. VII e VIII)
   Essa heresia surgiu quando um grupo de pessoas conhecidos como iconoclastas (literalmente, destruidores de ícones) apareceu. Esses alegavam que era pecaminoso fazer estátuas ou pinturas de Cristo e dos Santos apesar de exemplos bíblicos que provam que Deus mandou que se fizesse estátuas religiosas (por exemplo, em Ex 25,18-20 e 1Cr 28,18-19), inclusive representações simbólicas de Cristo (Num 21,8-9 e Jo 3,14).
·        Tem um em cada esquina hoje em dia...
 
» Catarismo (Séc. XI)
   O Catarismo foi uma complicada mistura de religiões não-Católicas trabalhadas com uma terminologia Cristã. O Catarismo se dividia em muitas seitas diferentes que tinham em comum apenas o ensinamento de que o mundo tinha sido criado por uma divindade má (portanto toda matéria é má) e que por isso devemos adorar apenas a divindade do bem.
   Os Albigenses formavam uma das maiores seitas Cátaras. Eles ensinavam que o espírito foi criado por Deus e que por isso era bom, enquanto o corpo teria sido criado pelo Mal, portanto o espírito deveria ser libertado do corpo. Ter filhos era considerado pelos albigenses um dos maiores males já que isso era o mesmo que aprisionar um outro "espírito" na carne. Obviamente o casamento era proibido, embora a fornicação fosse permitida. Tremendos jejuns e severas mortificações eram paticadas e seus líderes adotavam uma vida de voluntária pobreza.
·        Alguns aspectos da gnose cátara hoje são parte integrante da mentalidade geral em nossa sociedade: o horror à concepção, o amor à fornicação (infelizmente há católicos que aderem a esta mentalidade e praticam sem as necessárias razões graves a abstinência periódica de relações conjugais nos dias férteis)...
 
» Protestantismo (Séc. XVI)
     Os grupos Protestantes se dividem em uma ampla variedade de diferentes doutrinas. Todavia, virtualmente todos alegam acreditar no princípio da Sola Scriptura ("apenas a Escritura" - idéia que defende o uso apenas da Bíblia ao formular sua teologia) e Sola Fide ("apenas pela Fé - a idéia de que somos justificados somente pela Fé). Apesar disso, existe pouca concordância sobre o que essas duas doutrinas-chave realmente significam. Por exemplo, Lutero acreditava que a fé salvífica é expressa pelo batismo, pelo qual, segundo ele, uma pessoa renasce e seus pecados são perdoados, ao passo que muitos Fundamentalistas alegam ser essa uma falsa pregação e que o batismo é meramente um símbolo.
    A grande diversidade de doutrinas Protestantes advêm da doutrina do julgamento privado, a qual nega a infalível autoridade da Igreja e alega que cada indivíduo pode interpretar a Escritura por si próprio. Essa idéia é rejeitada pela própria Bíblia em 2Ped 1,20, que nos dá a primeira regra para a interpretação bíblica: "Antes de tudo, sabei que nenhuma profecia da Escritura é de interpretação pessoal". Uma significante tática dessa heresia é a tentativa de confrontar a Igreja com a Bíblia, negando que o magistério possua qualquer autoridade infalível para ensinar ou interpretar as Escrituras.
     A doutrina do julgamento privado resultou em um enorme número de diferentes denominações. De acordo com o The Christian Sourcebook, existiam aproximadamente 21,000 denominações em 1986, com 270 novas se formando a cada ano. Virtualmente todas elas são Protestantes.
 
» Jansenismo (Séc. XVII)
    Jansenius, bispo de Yvres, França deu início a essa heresia num jornal em que ele escreveu sobre Santo Agostinho, no qual ele redefinia a doutrina sobre a graça. Entre outras doutrinas, seus seguidores negavam que Cristo morreu pela salvação de todos os homens, alegando que Ele havia morrido apenas por aqueles que serão finalmente salvos (ou seja, os eleitos). Este e outros erros Jansenistas foram oficialmente condenados pelo Papa Inocêncio X em 1653.
·        O jansenismo, infelizmente, é hoje encontrado em muitos meios ditos "tradicionalistas". Este debate é frequentemente provocado pelas objeções que muitos fazem à má tradução do Cânon Romano, que traz "por todos" (e não "para muitos") como tradução de "pro multis". Esta tradução está errada como tradução, mas não é teologicamente errada, pois afirma ser o Sacrifício de Cristo suficiente para todos. Os neo-jansenistas, porém, afirmam que teologicamente também está errada.
 
» Modernismo (Séc. XX)
    Os modernistas ensinam, essencialmente, que o homem é incapaz de compreender a realidade e que as "verdades" são meramente idéias relativas. Para o modernista não existem verdades absolutas. As doutrinas que foram infalivelmente definidas pela Igreja podem portanto serem mudadas com os tempos, ou rejeitadas ou reinterpretadas para se adaptarem às modernas preferências.
     O Modernismo está entre as mais sérias heresias porque permite a uma pessoa rejeitar qualquer doutrina que foi definida, inclusive aquelas mais cêntricas como a divindade e ressurreição de Cristo. Essa heresia permite a reintrodução de todos os erros das heresias anteriores, bem como novos ensinamentos falsos que os antigos heréticos jamais imaginaram.
   O Modernismo é especialmente grave porque ele frequentemente advoga suas crenças usando uma terminologia aproximadamente ortodoxa. O erro é frequentemente expresso através de uma nova interpretação simbólica, por exemplo: Cristo não ressuscitou fisicamente dos mortos, mas a história de sua ressurreição produz uma importante verdade. Uma das táticas mais comuns usadas pela maioria dos modernistas é insistir na premissa de que eles estão dando a interpretação ortodoxa das verdades do Catolicismo.
·        Da última vez que estive lá, o ninho desta espécie ficava na lista "católicos" da Summer. :)
     As heresias sempre nos acompanharam desde o início da Igreja até os nossos tempos atuais. Geralmente elas sempre tiveram início por membros da hierarquia da Igreja, mas eram combatidas e corrigidas pelos Concílios e Papas. Felizmente temos a promessa de Cristo de que as heresias jamais prevalecerão contra a Igreja: "Tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja; as portas do inferno não prevalecerão contra ela" (Mat 16,18), pois a Igreja é verdadeiramente, nas palavras do Apóstolo Paulo, "coluna e sustentáculo da verdade" (1Tim 3,15).

A UNIPERSONALIDADE DE JESUS

      Ficou provado que Jesus Cristo possui duas naturezas, a divina e a humana.   No entanto, embora tenha duas naturezas, Ele não possui duas personalidades ou Pessoas, sendo uma Pessoa divina e outra humana, mas uma só e apenas uma. Jesus Cristo é uma só Pessoa em duas naturezas distintas, porém unidas.
      Eis as heresias sobre Jesus Cristo surgidas ao longo dos séculos:

HERESIA
SÉCULO
HUMANIDADE
DIVINDADE
Ebionismo
I
Afirmada
Negada
Docetismo
II
Negada
Reduzida
Cerintianismo
II
Afirmada
Reduzida
Monarquismo Sabeliano
III
Negada
Afirmada
Arianismo
IV
Reduzida
Mutilada
Apolinarianismo
IV
Reduzida
Afirmada
Nestorianismo
V
Afirmada (mas dividiam a
pessoa de Cristo)
Afirmada
Eutiquianismo
(Monofisismo)
V
Reduzida
Reduzida
Monotelismo
VI
Reduzida
Reduzida
Adocianismo
VIII
Afirmada
Negada
Socinianismo
XVI
Afirmada
Negada
Liberalismo
XVIII-XIX
Afirmada
Negada
Unitarianismo
XIX
Afirmada
Negada
Neo-ortodoxismo
XX
Afirmada
Extremamente complexo
para ser definido
Liberalismo
Contemporâneo
XX
Afirmada
Negada
A verdade:
VERDADE
SÉCULO
HUMANIDADE
DEIDADE
Jesus é o Deus Encarnado
I - Até a Eternidade
(Cl 1,19; 2,9)
100% Homem
(1Tm 2,5)
100% Divino
(Ap 1)